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Um ano sem Credit Suisse: como um grupo bancário com 167 anos desapareceu em cinco dias

Criado no século XIX para financiar a expansão dos caminhos-de-ferro do país, a queda do Credit Suisse, considerado “too big to fail”, foi decidida num fim-de-semana e foi um choque não só para o mundo financeiro.
  • EPA/MICHAEL BUHOLZER
19 Março 2024, 11h55

Faz hoje um ano que a Suíça acordou atónita com o resgate aparatoso do Credit Suisse, comprado à pressa pelo seu rival UBS por apenas três mil milhões de francos suíços. Um acordo histórico que teve como finalidade restabelecer a estabilidade financeira.

Em apenas cinco dias, um dos maiores grupos bancários do mundo tinha desaparecido, apagando 167 anos de história. Foi um choque não só para o mundo financeiro, mas também para o povo suíço, que ficou espantado com a rapidez do colapso deste banco de referência, criado no século XIX para financiar a expansão dos caminhos-de-ferro do país.

Um resgate que foi assistido no mundo inteiro em direto, decidido num fim de semana e comunicado num domingo ao fim do dia. A fazer lembrar o resgate do Banco Espírito Santo em Portugal, no dia 3 de Agosto de 2014, que punha fim a um banco centenário. O modelo de resolução do BES é que não foi o do Credit Suisse, porque não houve nenhuma integração ou fusão num banco concorrente mas sim a criação de um Novobanco com um Fundo de Resolução a suportar perdas com os ativos até 3,89 mil milhões.

Voltando ao Credit Suisse, em 19 de março de 2023, o Governo suíço e as autoridades financeiras organizaram a aquisição de emergência do banco especializado em gestão de fortunas pelo seu rival UBS a fim de evitar uma crise financeira mundial. No espaço de um ano, o processo de integração progrediu bastante, mas ainda há muito a fazer.

O anúncio foi feito pelo ministro do Conselho Federal Suíço, Alain Berset. O responsável sublinhou que, de outra forma, não seria possível “restabelecer a confiança que tem faltado nos mercados financeiros”. A Oferta Pública de Aquisição era, por isso, “absolutamente necessária”.

O Governo forneceu uma garantia estatal de nove mil milhões de francos suíços para cobrir perdas potenciais com os ativos do Credit Suisse. O banco central suíço garantiu, por sua vez, liquidez substancial ao banco resultante da fusão.

O acordo previu que os acionistas do Credit Suisse recebessem uma ação do UBS por 22,48 ações do Credit Suisse detidas, o que equivaleu a 0,76 euros por ação. O UBS aceitou assumir perdas de 5,4 mil milhões de dólares do Credit Suisse, e estimou uma poupança anual de custos com a fusão de cerca de 7 mil milhões de dólares até 2027.

O banco resultante da fusão ficou com cinco biliões de dólares em ativos sob gestão, segundo disse na altura o presidente do UBS que revelou também que iriam reduzir a atividade de banca de investimento do Credit Suisse.

Credit Suisse “is too big to fail”, disse então Thomas Jordan, presidente do banco central (SNB), que apontou a crise bancária dos Estados Unidos como determinante para o problema do gigante suíço dias que antecedeu o resgate.

O mais polémico dos atos foi o facto de as autoridades suíças terem decidido abater 16 mil milhões de francos em obrigações AT1 (Additional Tier 1) ou CoCos do Credit Suisse na venda ao UBS. Estes títulos de dívida, ou obrigações perpétuas, podem ser convertidos em capital caso o capital de um banco caia para baixo de uma determinada percentagem.

A decisão de abater 16 mil milhões de francos suíços relativos a títulos de dívida equiparados a capital (Additional Tier 1, AT1 ou CoCos) – enquanto os acionistas conseguiram manter algum investimento –  criou indignação por haver uma alteração da hierarquia de credores. já que os obrigacionistas acabaram por perder a totalidade do investimento.

Embora os títulos AT1 sirvam para absorver perdas em caso de problemas num banco, estes instrumentos apenas surgem num segundo patamar de uma hierarquia de “responsabilidade” e só são “chamados” quando o capital (equity) é usado na totalidade para limpar os prejuízos. No resgate do Credit Suisse não foi assim.

Até hoje as autoridades suíças enfrentam investigações e uma Comissão Parlamentar de Inquérito que ainda está a decorrer.

Um ano após o resgate do Credit Suisse, os desafios para o UBS continuam a ser imensos.

No relatório financeiro do UBS, o CEO Sergio Ermotti explicou que as duas instituições “vão operar separadamente até à integração jurídica em 2024″ e que “a marca Credit Suisse e as operações vão continuar até que se complete a migração gradual dos clientes para o sistema UBS”, algo que deverá estar concluído em 2025. A marca de banco de retalho desaparece até 2025. Milhares de trabalhadores são dispensados.

A saída de bolsa do Credit Suisse aconteceu a 12 de junho de 2023. No mesmo dia a fusão foi oficializada, e foi dado início a um processo de integração que é esperado estar concluído até junho.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) num relatório sobre perspectivas económicas para a Suíça, publicado no passado dia 14, concluiu que a aquisição do Credit Suisse pelo UBS no ano passado “fez crescer novos riscos e desafios” à estabilidade financeira do país.

De acordo com o relatório, o processo de aquisição foi feito de maneira acelerada, sem seguir o processo regulatório para bancos sistemicamente importantes, ou “bancos grandes demais para falirem”.

A forma como se deu a aquisição, segundo a OCDE, “levanta questões sobre a regulação e supervisão dos grandes bancos no futuro”.

Segundo a instituição, o UBS já era um banco sistemicamente importante antes da aquisição do Credit Suisse, e agora atingiu um patamar preocupante, enquanto tem até 2030 para atender às regras globais para bancos sistemicamente importantes.

Além disso, a OCDE destaca que o mercado imobiliário suíço agora começou a dar indícios de enfraquecimento, e as vulnerabilidades do setor permanecem. Com isso, grandes subidas nos juros ou outros choques podem resultar em correções acentuadas de preços, levando à deterioração das carteiras hipotecárias dos bancos.

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