[weglot_switcher]

Venda frustrada da Lusa ao Estado provocou “claro transtorno a nível financeiro”

A promessa de pagamento dos salários em atraso, os 12 milhões de euros oferecidos por Marco Galinha pelo Jornal de Notícias e pelo O Jogo e os sete milhões de prejuízo. As incómodas questões dos deputados voltaram a ouvir-se nas salas do Parlamento esta terça-feira, em sede de Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, esclarecendo dúvidas quanto à situação da Global Media Group, enquanto levanta outras interrogações.
  • ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
9 Janeiro 2024, 23h31

O atraso do pagamento dos salários dos trabalhadores da Global Media deveu-se, de acordo com o administrador da Global Media, José Paulo Fafe, à venda frustrada da Lusa ao Estado – cujo negócio estava avaliado em dois milhões de euros -, e, ainda, à suspensão da conta caucionada do grupo no Banco Atlântico Europa, que recebia as receitas da distribuidora Vasp, controlada por Marco Galinha, e que foi suspensa alegadamente devido ao impacto mediático da redução de 150 a 200 trabalhadores da GMG.

Marco Galinha e José Paulo Fafe, dois dos nomes fortes do grupo de comunicação social, foram chamados pelo Bloco de Esquerda (BE) para uma audição sobre a situação que a GMG atravessa. Conheceram-se há mais de oito anos através de um amigo comum, segundo o presidente executivo do Global Media Group.

Da parte da manhã, Marco Galinha, ex-presidente da Comissão Executiva da Global Media Group, fez importantes revelações sobre o fundo World Opportunity Fund (WOF), sediado nas Bahamas, na compra da GMG.

Questionado pelos deputados sobre a identidade de quem negociou a entrada do fundo no capital da Global Media, Marco Galinha negou qualquer contacto com os responsáveis do WOF. Teve, contudo, contanto com os seus advogados. “O normal nestas situações é falar com os representantes destes fundos. Neste caso foi o José Leitão, do MdME, o segundo maior escritório de Macau”, revelou o fundador do grupo BEL.

Por sua vez, o presidente executivo da Global Media, José Paulo Fafe, disse que o fundo investiu sete milhões de euros na compra de 51% nas Páginas Civilizadas, proprietária direta da Global Media, em setembro.

Sobre o atraso dos salários referentes a dezembro, uma das preocupações centrais em torno desta questão, Fafe assegurou o pagamento dos mesmos no início da próxima semana. “Quem me conhece, sabe bem a angústia em que vivo desde final do mês passado, eu e comissão, que nos deparámos com a impossibilidade de processar os salários do mês de novembro e antes o pagamento do subsídio de Natal”, afirmou, no início de uma audição que se estendeu por mais de três horas.

Na segunda-feira, revelou, teve a “promessa de até início da semana que vem [de] uma transferência que pague os salários que estão em atraso” e “a promessa do fundo de analisar a hipótese de fazer um pacote de ajuda extraordinária” ao grupo.

“Não paguei porque não tenho dinheiro, tenho feito tudo para poder pagar, tenho insistido com o fundo, já recebi propostas do empresário Marco Galinha”, continuou.

Ainda sobre o WOF, o presidente executivo da Global Media garantiu que o fundo “cumpriu todas as obrigações até agora”, em contradição das declarações dos restantes acionistas.

No final de dezembro, os acionistas Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira denunciaram, em comunicado, que tinha sido o “manifesto incumprimento” de obrigações pelo WOF que tinha impedido o pagamento do vencimento aos trabalhadores em dezembro.

“Existe uma situação de manifesto incumprimento por parte do World Opportunity Fund, Ltd quanto a obrigações relevantes dos contratos, que, ao não ter ocorrido, teria permitido o pagamento dos salários e o cumprimento de outras responsabilidades da empresa”, explicaram os acionistas no dia 29 de dezembro.

Outra dos assuntos levantados pelos deputados prende-se com a questão da compra da Lusa pela GMG, negócio que caiu no 30 de novembro. “Surpreendentemente, sem que nada o deixasse antever e na sequência de declarações públicas no mínimo estranhas do Sr. Presidente da República e do principal partido da oposição, o Governo comunicou no dia 30 de novembro que, afinal, o negócio não iria ter lugar, dado não ter existido um suposto consenso partidário, algo que meses antes tinha sido comunicado ao GMG”. 

O empresário revelou, ainda, que “esse volte-face provocou um claro transtorno a nível financeiro no GMG” e foi “a causa principal para que, pese uma transferência de emergência feita no fundo no valor de um milhão de euros nesse mesmo dia, os salários de novembro fossem pagos com quatro dias de atraso”. 

Segundo o presidente executivo da Global Media, o PSD deu ‘luz verde’ para a aquisição da agência através de Paulo Rangel. Mas Hugo Soares avançou que não seria “bem assim”.

Também o ministro da Cultura foi visado pelo gestor. “Na minha opinião, vou ser muito sincero, foi uma desilusão”, afirmou, a quem faltou “coragem” na altura em que o PSD deu “o dito por não dito”. “O senhor Presidente da República ajudou “muito mais que o PSD”, quando disse que tinha ficado “surpreendido com o negócio da Lusa”, acrescentou.

Numa altura em que parte das atenções se viram para o apuramento de responsabilidades sobre a situação no grupo, o deputado social-democrata João Prata questionou José Paulo Fafe sobre a responsabilidade na perda de valor da marca. Mas questão “passou de raspão” e o administrador não se coibiu de apontar um nome: Domingos Andrade, ex-diretor da TSF, ouvido no Parlamento há uns dias.

“Se alguém desvalorizou o Diário de Notícias, e não estou aqui a dizer que foi de uma forma premeditada, foi quem contribuiu para que o DN, entre 2019 e 2023, tivesse uma descida de 31 mil exemplares para 14.926”, contrapôs, levando à audição um gráfico com números sobre a quebra de vendas em banca.

Passando ao Jornal de Notícias, líder na informação digital, como o próprio aponta, o jornal diário registou “uma queda na ordem dos oito mil exemplares” nesse mesmo período, continuou. “O JN vende uma média de 14 mil exemplares”, revelou, divulgando números das vendas nos vários distritos e, também, dos quadros do jornal – 90 jornalistas e 70 colaboradores.

“O Sr. Domingos Andrade é um dos grandes responsáveis pela queda de vendas do JN. Houve uma estratégia editorial para o JN, a meu ver, errada, quando se quis transformar um jornal com um ADN profundamente regional num jornal de referência nacional. Com algum deslumbre. E o resultado está à vista”, considerou.

“Raro é o dia, desde que iniciámos funções há três meses e meio, que não somos surpreendidos por factos, negócios ou procedimentos que denotam a forma leviana e pouco transparente, como este grupo foi gerido ao longo destes últimos anos”. Foi com uma acusação à gestão passada do Global Media Group (GMG) que José Paulo Fafe, presidente da Comissão Executiva do grupo de comunicação social, deu início a uma audição que esteve para não acontecer.

Segundo o presidente executivo do Global Media Group, “todas as decisões do grupo foram aprovadas por unanimidade, sem que na comissão executiva conste nenhum voto contra ou mesmo abstenção”.

O administrador do grupo que detém o DN, o JN, entre outros títulos, aproveitou os minutos iniciais da intervenção para justificar o recuo na decisão inicial de não prestar declarações aos deputados, acusando o BE, responsável pela audição, de “aproveitamento político da situação difícil” que o grupo atravessa. “Queria deixar bem claro que continuo a pensar exatamente o mesmo sobre as motivações que levaram o BE” a requerer a audição, levantando “profundas reservas de quem pretenda forçar um grupo privado a prestar contas”.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.