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Preço do caviar cai tanto que há quem o compare a frango assado

Iguaria ficou mais abundante e acessível com produção em massa na China. Agora que o caviar já não é tão raro, os chefs estão a brincar com o produto, tratando-o como se fosse apenas mais um ingrediente.
16 Abril 2025, 13h07

A sala de jantar reluzente em preto e dourado do restaurante Coqodac está agitada, e ainda nem abriu para o jantar. Uma mesa de “rappers e apresentadores de podcast” está a demorar-se num almoço tardio de caviar e champanhe de quatro mil dólares (3,520 euros), diz o chef executivo Seung Kyu Kim. Ele não se importa —ele quer que o seu restaurante em Manhattan, famoso pelos nuggets de frango cobertos com caviar (28 dólares ou 24 euros por nugget), seja um lugar onde as pessoas venham para celebrar.

Enquanto a gripe aviária força as lojas dos Estados Unidos a racionar ovos de galinha a 10 dólares (8,80 euros) a dúzia, os ovos de peixe curados com sal tornaram-se onipresentes em restaurantes de alto padrão. As esferas viscosas agora podem ser encontradas no topo de molhos de creme azedo e cebola de 68 dólares (59,8 euros) em Nashville e saladas de ovo de 73 dólares (64,2 euros) em São Francisco.

A perceção dos clientes sobre o caviar como um luxo que vale a pena gastar manteve-se notavelmente resiliente por mais de um século, mas o custo de atacado do caviar —especificamente, as ovas de esturjão— caiu consideravelmente nos últimos anos.

“Há uma mania de caviar e cada vez que alguém me pergunta por quê, eu digo a mesma coisa: uma enxurrada de caviar chinês produzido em massa a preços super baixos”, disse Edward Panchernikov, diretor de operações do Caviar Russe, um restaurante de caviar em Nova York.

O caviar russo, que representa uma pequena percentagem do fornecimento global, está sob sanções dos EUA. Hoje, a maior parte do caviar importado pelos EUA é cultivado na China, onde os baixos custos de mão de obra, abundância de cursos d’água e apoio governamental ajudaram a reduzir os preços.

Dados precisos são escassos —o caviar representa uma pequena fração das importações de commodities— mas o preço médio de um quilograma de caviar importado nos EUA era de cerca de US$ 240 (R$ 1.412) em 2020, abaixo dos cerca de 440 dólares (211,1 euros) em 2014, de acordo com o Observatório Europeu do Mercado de Produtos da Pesca e Aquicultura.

A China tem enfrentado múltiplos escândalos de segurança alimentar nos últimos anos, bem como acusações de competir injustamente no preço, e os importadores dizem que isso manchou a perceção pública da sua indústria de caviar. Mas a escala da aquicultura chinesa significa que há uma enorme variedade na qualidade do caviar que vende, até dentro de uma centro de fabrico de esturjão.

Da mesma forma que os melhores vinhas podem produzir uvas para os vinhos mais cobiçados e vender o resto para garrafas de supermercado, o mesmo centro pode produzir o melhor osetra disputado por restaurantes Michelin até caviar de baixa qualidade vendido a preços baixos.

De facto, o preço do caviar chinês pode variar dramaticamente —chefs citaram preços de atacado (incluindo margens dos importadores) de 500 dólares (440 euros) a 1.500 dólares (1.320 euros) por quilograma, e os retalhistas dizem que pode chegar a 400 dólares (352 euros). Pressões de preço em todo o mercado significam que pode ser muito difícil para pequenos centros de produção de caviar domésticos competirem.

Chefs observam que algumas das ovas de esturjão mais caras e desejáveis do mundo vêm da China.

“A consistência, o sabor e a salinidade são muito, muito no ponto”, disse Kim no Coqodaq. E, crucialmente, os chefs podem ser mais generosos com as suas porções, criando um ar de indulgência.

O The Modern, restaurante com duas estrelas Michelin de Danny Meyer no centro de Manhattan, serve um cachorro-quente de caviar no seu menu de bar. São duas salsichas de cocktail, cada uma coberta com cerca de quatro gramas de osetra dourado cultivado na China, em mini pães de brioche, por 39 dólares (34,3 euros). O Bangkok Supper Club no West Village cobre sua tortinha de caranguejo com a mesma variedade, um prato de uma mordida por 22 dólares (19,3 euros).

Se o caviar está mais barato agora, por que os clientes ainda estão a pagar caro? Parte da resposta é que os clientes ainda o percebem como um luxo, e a educação sobre a qualidade variável ficou atrás do mercado. “Os consumidores não estão a pensar muito sobre isso. Eles estão pensando OK, é caviar. Claro que é caro. Eles não estão a pensar de onde vem”, diz Lianne Won, co-proprietária da Marshallberg Farm.

E apesar da ascensão do caviar chinês, ao vender diretamente para os clientes, muitos importadores ainda preferem não especificar o país de origem. Sites de retalhistas irão afirmar que o caviar foi colhido nas águas imaculadamente limpas do Lago das Mil Ilhas, mas nunca mencionam a China (o Lago Qiandao da China, que se traduz em “mil ilhas”, é onde a Kaluga Queen, o maior fornecedor de caviar do mundo, está sediada).

“Ainda há algum preconceito”, disse Hossein Aimani, chefe da Paramount Caviar, que fornece caviar chinês para restaurantes como o Le Bernardin em Nova York.

O snobismo sobre a procedência como uma forma de impulsionar a procura e os preços também é uma tradição sagrada, tão antiga quanto o próprio comércio de caviar. No século XIX, quando o fornecimento de esturjão americano era abundante, o único caviar considerado digno de pagar caro era do Mar Cáspio. Bares americanos colocavam caviar doméstico de graça como amendoins, enquanto fraudulentos exportadores para a Europa fingiam que o seu fornecimento era do Cáspio, escreveu Richard Carey no livro de 2005, “The Philosopher Fish: Sturgeon, Caviar, and the Geography of Desire” (O Peixe Filósofo: Esturjão, Caviar e a Geografia do Desejo).

Mas enquanto a iguaria vive o seu momento, o caviar em abundância —e cada vez mais acessível— pode ameaçar a própria indústria. A história luxuosa e rara das ovas de esturjão está “sob ataque”, disse Panchernikov do Caviar Russe. “As pessoas estão a tentar popularizá-lo e livrar o caviar dessa excecionalidade.

Os preços do menu permanecem altos não apenas porque os comerciantes ainda obtêm boas margens, mas porque —como em todas as coisas de luxo— o preço é o ponto. “Caviar acessível é um oxímoro”, disse David Stephen, um cientista de aquicultura e consultor da indústria de caviar.

O verdadeiro poder das ovas para os chefs é menos sobre o seu custo e mais sobre sua capacidade de animar os clientes. Quando o Temple Bar de Nova York começou a oferecer “bump” de caviar (uma pequena quantidade que se come diretamente da mão) por 20 dólares (17,59 euros) no final de 2021, eles chamaram a atenção “não porque estavam servindo caviar, mas porque estavam fazendo isso dessa forma, num tipo de zombaria”, disse Rachel Harrison, uma publicitária de longa data.

Aquilo fez os clientes rirem. Eles tiraram fotos para as redes sociais, o que trouxe mais clientes. Por 20 dólares (17,59 euros), parecia mais como pedir outra bebida do que gastar 200 dólares (175,9 euros) por um serviço de caviar.

Thomas Allen, o chef do The Modern, diz que o papel do cachorro-quente coberto com caviar é capitalizar a capacidade do ingrediente de gerar entusiasmo nos clientes. Eles compensam o custo em outro lugar, no álcool ou na sobremesa. “O cachorro-quente é como um momento de bem-estar que te faz sorrir”, ele disse. “Provavelmente não vai pedir só isso, vai pedir outras coisas. vai pedir um vinho.” Em vez de ser uma vaca leiteira, “é mais como nosso frango assado do Costco”, disse Allen, referindo-se ao famoso produto de 4,99 dólares (4,39 euros) do retalhista, à prova de inflação.

O chef Max Wittawat, do Bangkok Supper Club, chama à sua tortinha “prato herói”. O restaurante não está a lucrar muito com o prato, mas atrai clientes, fica bem nas redes sociais e —porque não vai te encher– aumenta o gasto por cliente. “A China tornou o caviar mais acessível para todos. Mas no restaurante, os clientes ainda o apreciam, ainda veem o caviar como um luxo”, ele disse.

Da mesma forma, o chef do Coqodac sabe que as pessoas não vão pedir um nugget de frango e chamar de jantar, então ele mantém o preço dentro dos limites enquanto usa caviar fino, e quase toda a gente quer pedir um. “Nós realmente não estamos a ganhar dinheiro com isso. É apenas para trazer empolgamento”, disse Kim. “É sobre sustentabilidade.”

O apelo do caviar sempre foi a sua extravagância. Como um bom champanhe, o custo, a história e a pura irresponsabilidade fiscal sempre foram uma corrente erótica sob seu apelo culinário, a razão pela qual o buscamos quando a ocasião parece especial.

Mas agora que o caviar não é mais tão raro, os chefs estão a brincar com o produto, tratando-o como se fosse apenas mais um ingrediente, embora com baixos custos de mão de obra (eles só precisam abrir uma lata). E no caso de uma recessão económica, eles precisam de pratos que possam atrair clientes e impulsionar o gasto com preços que não estejam totalmente fora de alcance.

Ainda assim, a relativa acessibilidade do caviar de alta qualidade pode mudar em breve, à medida que tarifas sobre a China atinjam os importadores, enquanto a aquicultura chinesa ampliada ameaça empurrar o fornecimento de caviar de médio porte acima do que o mercado pode suportar. “Espero que não haja um excesso, mas há muito caviar no mercado agora”, disse Aimani. É provável que mais restaurantes comecem a comprar caviar de qualidade inferior e mais barato para preencher a lacuna.

Enquanto isso, o caviar continua onipresente. “O caviar foi rotulado pela sociedade como um ingrediente de luxo”, disse Mike Bagale, chef executivo do restaurante Sip & Guzzle em Nova York. “Tento servi-lo quase a preço de custo. Não quero comprar a ideia de cobrar demais por uma commodity que custa muito, servindo-a em pequenas quantidades.” Serve-o com molho ranch fresco e pele de frango estufada (125 dólares ou 110 euros). A relativa acessibilidade do caviar hoje significa que ele pode ser generoso.

“São ovos de peixe. Não precisa ser super enfeitado ou delicado ou colocado com pinça em filetes de peixe num restaurante de alta gastronomia”, disse Bagale. Ele serve caviar grego no gelado, a 70 dólares (61,7 euros) por 10 gramas. “No final do dia, é sal.”

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