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Em dia de Orçamento, Lecornu tem pela frente duas moções de censura. Ou três

O primeiro-ministro que sucedeu a si próprio vai esta terça-feira apresentar um Orçamento que pode não ser mais pura perda de tempo: Sébastien Lecornu vai enfrentar uma moção de censura da extrema-direita, outra da extrema-esquerda e ainda uma terceira se as exigências dos socialistas não forem atendidas.
O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, com o presidente Emmanuel Macron
14 Outubro 2025, 07h00

Mal se soube que o presidente Emmanuel Macron convidara Sébastien Lecornu, primeiro-ministro demissionário, para suceder a si próprio – o que levou vários analistas a identificarem a decisão como uma desnecessária piada de mau gosto – a extrema-direita do Rassemblement National (RN) e a extrema-esquerda da França Insubmissa (FI) fizeram o que lhes competia para assegurarem um mínimo de coerência política, avançando com a promessa de uma moção de censura. São por isso duas moções que o novo governo irá enfrentar – número que poderá subir para três, se na proposta de Orçamento do Estado que o primeiro-ministro ‘recauchutado’ vai apresentar no final do conselho de ministros desta terça-feira, não constar a suspensão da reforma da segurança social. É que, se o novo gabinete insistir em aumentar a idade da reforma, os socialistas – que durante uma semana acenaram freneticamente a Macron para que fossem convidados a formar governo – já deixaram saber que também apresentarão a sua própria moção de censura.

Num quadro político que tomou contornos bizarros – uma espécie de ‘a moção de censura da vizinha é pior qu’ a minha’ – o líder da RN, Jordan Bardella, disse esta segunda-feira que votará favoravelmente a moção da FI – o que permite antecipar que uma delas, a própria ou a dos vizinhos, será provavelmente suficiente para derrubar o governo, permitindo a Lecornu ser um dos primeiros-ministros mais breves da história contemporânea da Europa, para além de reforçar a posição do mais breve da República gaulesa. A possibilidade de uma terceira moção foi deixada na manhã de segunda-feira, por Dieynaba Diop, deputada e porta-voz do Partido Socialista (PS), que anunciou que o partido aguardará a declaração política geral do primeiro-ministro na tarde de terça-feira para saber se apresentará “a sua própria moção de censura”, o que sucederá caso as “exigências” socialistas “não sejam atendidas”, principalmente se se verificar a ausência de “uma suspensão imediata da reforma da previdência”. De modo grosseiro – porque as alianças pontuais e os ‘volte-face’ têm sido constantes, dos 577 deputados da Assembleia Nacional, Lecornu assegura, julga-se um bloco de 211 fiéis, com a oposição a arrematar 364 lugares.

Tudo isto foi motivo suficiente para Bardella atacar violentamente o PS francês: “O Partido Socialista precisa de acabar com a ambiguidade. Está com Emmanuel Macron ou na oposição? Este é o momento da verdade”, declarou. “Não podemos esconder-nos, não podemos avançar assim, por trás de manobras secretas”, “aqueles que optarem por prolongar a forma como Emmanuel Macron está a prejudicar o nosso país terão que responder ao povo francês”. “Uma parte dos socialistas está pronta para ser comprada”, acusou, talvez “por alguns subsídios nas eleições municipais” ou “por medo de se verem engolidos pela FI no contexto de uma dissolução”. “A maioria dos franceses quer a dissolução da Assembleia e dois terços dos franceses também querem a renúncia do presidente da República, repetiu. Tudo antes de confirmar que o partido de extrema-direita, que apresentou uma moção de censura na manhã de segunda-feira, também votará a favor da moção apresentada pela FI.

Quanto ao Orçamento propriamente dito, e segundo a imprensa francesa, está marcada uma primeira reunião de gabinete para terça-feira de manhã no Palácio do Eliseu. O governo apresentará os dois projetos de Orçamento, para o Estado e para a Previdência Social, para que possam ser submetidos ao Parlamento dentro do prazo. O objetivo é manter o défice abaixo de 5% do PIB, mas não necessariamente nos anteriormente previstos 4,7%. Os ‘pozinhos’ a mais deixam ao governo uma margem de nove mil milhões de euros para potencialmente atender às exigências da oposição, ou seja, dos socialistas. Será um primeiro rascunho assente num entendimento parlamentar que nada garante – e que tem em vista dotar o país de um Orçamento antes de 31 de dezembro. Devido à falta de tempo, o texto deve ser idêntico ao que Sébastien Lecornu enviou a 2 de outubro ao Conselho Superior de Finanças Públicas (HCFP), órgão que reporta ao Tribunal de Contas, conforme exigido pelos procedimentos. O projeto já absorveu grande parte do elaborado pelo seu antecessor, François Bayrou, mas com um corte nos custos inferior aos 44 mil milhões apresentados pelo antigo inquilino de Matignon.

O documento apresentará um déficit de 3% do PIB para 2029, finalmente em linha com os limites europeus, mas o caminho para lá chegar está a tornar-se mais difícil, com cada décimo de ponto percentual de défice adicional a contribuir diretamente para o aumento da dívida pública e do seu serviço – como os investidores não deixarão de levar em consideração. Lecornu quer “reduzir os gastos” do Estado em seis mil milhões de euros através de um “melhor controlo dos gastos sociais e do governo local”, mas em princípio não está contemplado o corte nos dias feriados (que permitiria uma poupança de 4,2 mil milhões. Do lado da receita, Sébastien Lecornu descartou o imposto Zucman (o chamado imposto sobre os super-ricos), que a esquerda defendeu para tributar os ativos dos 1.800 contribuintes mais ricos num mínimo de 2%. No entanto, o primeiro-ministro mostrou-se sensível aos apelos por “maior justiça tributária ” e propôs a criação de um “imposto sobre ativos financeiros” para as holdings familiares, que poderia gerar entre um e 1,5 mil milhões. Prevista está também uma redução na contribuição sobre o valor agregado das empresas (CVAE). Também estão em discussão a redução do imposto para casais com rendimentos um pouco acima do salário mínimo e a manutenção de uma dedução fixa no rendimento dos reformados em vez de uma dedução de 10% para despesas profissionais, o que poderia levar os mais ricos a pagar mais impostos. Em relação à saúde, Lecornu não mexeu no que estava previsto, assim como parece querer manter o chamado “ano em branco”, durante o qual os salários dos funcionários públicos, os benefícios sociais e as reformas não seriam aumentados.


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