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Amnistia Internacional: “Vistos gold só trazem dificuldades para a classe média e baixa no acesso à habitação”

O acesso à habitação é, aos olhos da AI, um dos maiores desafios de direitos humanos em Portugal, “não só para as pessoas mais pobres, mas também para uma certa classe média e trabalhadora”, afirma Pedro A. Neto, diretor-geral da Amnistia em Portugal, em entrevista com o Jornal Económico. Preços “incontornáveis” são impulsionados pelo aumento dos ‘vistos gold’.
  • Diretor executivo da Amnistia Internacional em Portugal, Pedro Neto
18 Novembro 2019, 07h45

Existem vários problemas a nível social em Portugal que ainda estão longe de serem resolvidos. A pobreza, a discriminação (e a multidiscriminação), o direito ao acesso à saúde e a qualidade dos serviços públicos são apenas alguns referidos pelo diretor-geral da Amnistia Internacional em Portugal, Pedro A. Neto.

Salienta, no entanto, a grande preocupação relativamente ao acesso à habitação, pois é um problema que agrava as desigualdades sociais na sociedade portuguesa.

De acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) – denominado “Sob pressão: a classe média em declínio” –, a despesa das famílias portuguesas com a casa foi das que mais aumentou entre 1995 e 2015. Durante esses 20 anos, os gastos passaram de 18% do orçamento familiar para 21,2%. Uma evolução explicada com o aumento dos preços das casas, que subiram mais que o rendimento das famílias e que a inflação.

Durante a crise económica e financeira, dado que a classe média e baixa não tinham capital para a aquisição de imóveis, o Governo de Pedro Passos Coelho fez uma aposta no investimento estrangeiro, criando os vistos gold em 2012, um mecanismo que foi mantido pelo dois sucessivos Executivos de António Costa.

O investimento através dos vistos gold captou, ao fim de sete anos, 4,9 mil milhões de euros, com a compra de imóveis a representar 90%, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

“Eu entendo a política pública por trás dos vistos gold, que é para atrair capital e investimento e criação de emprego”, afirma o diretor-executivo da Amnistia Internacional. ” Mas o que na realidade está a acontecer é que muitos desses vistos são para pessoas que querem ter o visto para entrar na União Europeia”, acrescentou.

Em outubro, foram atribuídos 101 vistos gold, dos quais 96 por via da compra de imóveis e cinco por transferência de capitais. Do total de vistos ‘dourados’ concedidos com a compra de imóveis, 12 corresponderam à aquisição como objetivo de reabilitação urbana.

“Basta comprarem uma casa que custe mais de 500 mil euros e já têm direito a esse visto. Comprar uma casa não é um investimento”, critica Pedro A. Neto.

“Para as comunidades não há nenhuma mais valia, bem pelo contrário. Os valores imobiliários estão muito altos por causa dessa oferta e depois a classe média e classe baixa têm dificuldades efetivas de acesso à habitação porque os preços são incontornáveis”, afirma.

“As pessoas que não têm nacionalidade portuguesa e que precisam de documentação do SEF têm que passar por muitas mais burocracias”, explica. “Há um tipo de imigrante que tem muitas dificuldades em obter os seus documentos legalizados e em tempo útil. Mas, por exemplo, para quem faz um pedido para um tipo de visto gold já é só facilidades”, adianta.

A dificuldade em conseguir agendamento e a demora na entrega dos documentos motivaram a maior parte das reclamações no SEF. Nos últimos 12 meses, o aumento das queixas registadas duplicaram , segundo o Portal da Queixa, uma rede social de consumidores de Portugal.

“As entrevistas no SEF são muito difíceis de obter. Com um prazo muito grande de espera”, conta o dirigente da ONG.

Neste momento, não é possível efectuar marcações para renovação das autorizações de residência até ao final do ano na maior parte dos balcões, o que tem obrigado muitos imigrantes a deslocarem-se centenas de quilómetros para evitar que os respectivos documentos caduquem.

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