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Auditoria da IGF não alertou para ‘apagão’ fiscal

Inspeção das Finanças analisou em 2016 as transferências para offshores, mas não alertou tutela para discrepâncias face a uma auditoria anterior. Relatório foi devolvido pelo ex-governante, Rocha Andrade.
  • Desmond Boylan/Reuters
30 Julho 2017, 17h00

O sistema de informação financeira e bancária da Autoridade Tributária (AT) foi objeto de uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) no ano em que foi detetado o ‘apagão‘ fiscal das transferências para offshores, sem nada sinalizar quanto a uma eventual omissão de dados.

Apesar das discrepâncias face a uma inspecção anterior, realizada em 2014, e às estatísticas das operações para paraísos fiscais que tinham entretanto publicadas, a IGF não alertou a tutela para um eventual ‘apagão’.

Fonte oficial do Ministério das Finanças revelou ao Jornal Económico que esta auditoria de setembro de 2016 não foi homologada devido às discrepâncias identificadas, tendo sido devolvido o relatório à IGF pelo ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), Fernando Rocha Andrade. E assegura que “não foi apresentada qualquer explicação” para os valores não baterem certo.

Em causa está uma queda para metade dos valores transferidos em quatro anos, face à auditoria de 2014. Na inspecção mais recente, que abrangeu o período de 2011 a 2014 – o mesmo em que a AT detetou o ‘apagão’ fiscal –, a IGF concluiu por 8.215 milhões de euros de transferências para paraísos fiscais, num total de 34.035 transferências, contra 17.565 milhões de euros sinalizados na auditoria anterior, com um total de 47.813 operações para offshores (entre 2009 e 2012).

Recorde-se que a primeira auditoria ainda apanhou o período em que foram efetuadas algumas das operações que não chegaram ao tratamento do fisco, e que se reportam aos anos de 2011 e 2012. Só nestes dois anos, auditados duas vezes pela IGF, as discrepâncias somam mais de 3,1 mil milhões de euros (9.258 milhões de euros contabilizados em 2014 e 6.141 milhões no ano passado). Estes montantes correspondem a menos 2.707 transferências para offshores (23.174 operações na primeira auditoria, contra 20.467 na segunda inspecção).
Com base nos resultados da inspecção da IGF de setembro de 2016, o Jornal Económico questionou fonte oficial do Ministério das Finanças se a nova auditoria foi homologada. A resposta é taxativa: “Não, face às discrepâncias identificadas, o relatório da IGF n.º 2016/1280, de 23 de setembro de 2016, foi devolvido à IGF pelo anterior SEAF”.
A divergência dos números estende-se ainda às próprias estatísticas divulgadas pela AT, cinco meses antes da auditoria da IGF realizada em 2016: em abril, o fisco contabilizou 7.162 milhões de euros em operações para paraísos fiscais (entre 2011 e 2014, o mês período da inspecção realizada por aquela entidade).

“Não foi apresentada qualquer explicação”, afirma fonte oficial do ministério liderado por Mário Centeno, quando questionada sobre as divergências da auditoria da IGF quer em relação às estatísticas da AT divulgadas em abril quer às suas próprias conclusões na auditoria de 2014 . Em ambos os relatórios, nos mesmos anos auditados – 2011 e 2012 – os valores divergem com o registo de menos 12% de operações e uma quebra de 34% de montantes. Já num mesmo horizonte temporal de quatro anos em análise, os montantes transferidos são menos de metade.

Discrepância de 9,4 mil milhões não gerou alerta

Os dados da auditoria da IGF de 2016 revelaram, em termos globais, menos 13.778 transferências e uma quebra de 9.350 milhões de euros nos montantes transferidos face à auditoria de 2014. Mas não motivaram qualquer alerta à tutela. Fonte oficial do Ministério das Finanças afirma que a IGF transmitiu apenas à tutela que “as transferências efetuadas para paraísos fiscais, entre 2011 e 2014, totalizavam 8.215 milhões de euros, com maior incidência em 2011 (57% do total)”.

Segundo a mesma fonte, a IGF deu ainda conta no seu relatório que estas transferências foram realizadas maioritariamente por empresas (90% do valor total com 7.424 milhões de euros), sendo de assinalar o peso das pessoas coletivas não residentes que não exercem atividades económicas em Portugal (47%).

Por outro lado, prossegue, a IGF transmitiu que de “2011 para 2014, verificou-se uma redução substancial dos valores transferidos, sendo que este último ano representa apenas 5,4% dos valores transferidos no período. Foram ainda apontados como “principais destinos das transferências Hong Kong, Bahamas, Emiratos e Panamá, com a justificação predominante de Cash Management [operações pontuais de gestão de tesouraria, mediante ordens de pagamento internacionais/repatriamento de fundos sobre contas em bancos estrangeiros]”.

O relatório de auditoria da IGF de 2016 conclui, no entanto, que “carecem de aperfeiçoamento” os critérios de risco e metodologias específicas para selecionar e controlar esta realidade tributária, que a a Inspeção Tributária da AT vem utilizando. Objetivo: “A fim de que o controlo inspetivo seja efetivamente direcionado às situações de maior risco, com impacto positivo também nos respetivos resultados”.

As recomendações da IGF

Ainda que sem alertas para as discrepâncias documentadas, face às conclusões da auditoria, a IGF fez recomendações à diretora-geral da AT, Helena Borges, entre as quais aperfeiçoar os critérios de seleção dos contribuintes a controlar, envolvendo também o universo das empresas não residentes e sem atividade económica em Portugal.

A IGF recomendou ainda “melhorar as metodologias de controlo, envolvendo verificações mais abrangentes e, sempre que possível, um maior número de períodos de imposto”, segundo fonte oficial das Finanças.
A mesma fonte salienta ainda que foi também recomendado a Helena Borges o desenvolvimento de procedimentos de controlo específicos e objetivos relativamente aos contribuintes relacionados com processos existentes neste domínio (Swissleaks), quando os mesmos sejam residentes em Portugal.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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