Brasil era, durante a última crise económica global, um país que prosperava. Uma esperança por entre a espiral de depressão do mundo. Agora, mais uma vez contracorrente, enquanto as economias globais expandem, o Brasil vive uma crise profunda. A esperança trazida pelo presidente Lula da Silva foi transformada num trauma que se acentuou com a sucessora Dilma Rousseff (ambos envolvidos em escândalos judiciais) e por uma oposição que não destoa. Prestes a ir às urnas, o país irá escolher o herdeiro da crise, que vai determinar os destinos económicos e financeiros numa altura de pressão sobre o real. O principal receio dos mercados e do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que a escolha recaia sobre o candidato populista Jair Bolsonaro, que feche o país ao exterior e afaste investidores.
“Uma das grandes questões debatidas durante a campanha eleitoral tem sido como lidar com a economia brasileira, em dificuldades, cujo desempenho recente preocupou eleitores e investidores”, explicaram os analistas Enrique Díaz-Alvarez, Matthew Ryan e Roman Ziruk, da fintech cambial Ebury, numa nota sobre o real brasileiro.
Apesar de o Brasil ter conseguido, ao longo do ano passado, emergir de uma das recessões mais profundas no país em décadas (depois de a economia ter contraído em todos os trimestres durante dois anos consecutivos), o ritmo da recuperação tem sido lento. No segundo trimestre de 2018, a economia expandiu apenas 0,2%.
Por um lado, a incerteza em torno das eleições foi parcialmente culpada, mas houve outros fatores. A greve dos camionistas em todo o país reduziu a produção e o consumo das famílias estagnou nos últimos meses devido ao aumento dos preços. Ainda assim, a procura interna tem sido um impulsionado a economia, em parte devido à decisão do governo de permitir a saída de trabalhadores de um fundo de pensões que injetava 14 mil milhões de dólares na economia.
Os analistas da Ebury sublinham que o real tem estado entre as divisas mais frágeis na recente desvalorização nos mercados emergentes. “Esta moeda demonstrou estar particularmente vulnerável à incerteza política que culminará com as próximas eleições presidenciais no Brasil, que poderão vir a revelar-se uma das mais renhidas e mais fragmentadas da história brasileira. Isto levou o real brasileiro a sofrer uma nova baixa recorde em relação ao dólar norte-americano, em setembro, com a moeda a ser negociada mais de 20% abaixo dos níveis do ano, consideravelmente mais fraca do que as nossas previsões de longo prazo”, explicaram.
Enquanto o real cai, a bolsa brasileira Bovespa acumula um ganho de 6,80% desde o início do ano, mas as perspetivas são incertas. “Suspeitamos que qualquer recuperação de ativos locais, inclusivamente do real, poderá ter uma vida relativamente curta e ser caracterizada por uma natureza oportunista”, alertou Gustavo Rangel, economista-chefe do banco ING para a América Latina
Rangel sublinhou estar preocupado com a capacidade do novo governo aprovar as iniciativas urgentes de consolidação orçamental necessárias para voltar a ancorar as contas do Brasil. “Como resultado, 2019 pode se tornar outro ano agitado para os ativos locais, com a volatilidade em grande parte impulsionada pelas perspetivas ou aprovação de iniciativas de austeridade orçamental no Congresso”, afirmou.
O Estado brasileiro registou um défice de 14,4 mil milhões de reais (3,3 mil milhões de euros) no primeiro semestre do ano, o melhor resultado para o período desde 2015. Ainda assim, no acumulado dos 12 meses até junho, o setor público consolidado brasileiro acumulou um resultado negativo de 89,8 mil milhões de reais (20,5 mil milhões de euros), que representa 1,34% do Produto Interno Bruto (PIB).
A meta estabelecida pelo Governo neste ano é um défice público de até 161,3 mil milhões de reais (36,9 mil milhões de euros). A dívida bruta do setor público brasileiro alcançou em junho os 5,1 biliões de reais (1,1 biliões de euros), equivalente a 77,2% do PIB do país. O curso das contas públicas ficará dependente da escolha que os brasileiros fizerem, este domingo.
O consenso nos mercados é que os candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro vão passar a uma segunda volta eleitoral, sendo que o preferido (em termos de qual seria mais favorável para a economia e investimento) é o primeiro. “O pior cenário para o Brasil é não se abrir ao mundo, fechar a globalização que tem hoje e virar-se para si mesmo. Nesse aspecto poderia ser muito negativo para o Brasil este ressurgimento de partidos populistas”, afirmou André Themudo, head of sales para a Ibéria da BlackRock.
Foi também este o aviso que o FMI fez ao Brasil, em julho. A instituição liderada por Christine Lagarde teme que a falta de reformas estruturais e a incerteza política possam afastar investidores.
“Apesar da incerteza política, a saída líquida de investimentos diminuiu em 2017, após registar uma substancial subida em 2016. O diferencial de juros, ainda grande apesar do recente relaxamento monetário, o grande mercado interno e os buffers externos deverão ajudar a atrair fluxos de capitais”, notou. “No entanto, a rigidez do Orçamento, do setor bancário e dos mercados de trabalho e de bens, se não for enfrentada adequadamente, pode enfraquecer o interesse dos investidores”, alertou o FMI.
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