[weglot_switcher]

Donald Trump: NATO? Qual NATO?

Cada vez mais analistas estão convencidos que o presidente dos Estados Unidos está a instrumentalizar a NATO para enfraquecer a Europa. E que, num eventual segundo mandato, pode acabar com ela.
  • Jim Lo Scalzo/REUTERS
12 Julho 2018, 08h41

Era suposto custar 800 milhões de euros, depois a fatura subiu para os 1.000 milhões por causa dos atrasos e finalmente a NATO teve de pagar 1,17 mil milhões para ter um edifício-sede absolutamente colossal em Bruxelas, mas cada vez mais analistas consideram seriamente a hipótese de o edifício vir a ter de ser rapidamente reconvertido para outra função qualquer.

A entrada de rompante de Donald Trump na cimeira desta quinta-feira faz regressar as piores hipóteses para o centro da agenda: o presidente dos Estados Unidos começou por enviar, na passada semana, uma carta para várias capitais europeias a recordar o compromisso de que cada Estado-membro da NATO deveria disponibilizar 2% do PIB para gastos militares.

Já esta quarta-feira, decidiu aconselhar esses mesmos países a que alternativamente gastassem 4% do PIB (um aumento de 100%, portanto) – ao mesmo tempo que tecia inesperadas considerações sobre o facto de a Alemanha ser um grande cliente do gás e do petróleo russos, o que, nas suas palavras, coloca o governo de Angela Merkel ‘nas mãos’ de Vladimir Putin.

Salvo melhor opinião, Trump chamou ‘traidora’ a Merkel: está na cimeira da NATO, mas ‘engajada’ com o ‘inimigo’­ – supondo-se que a Rússia é o inimigo – a quem tem de agradar, sob pena de Putin, carregando numas alavancas e nuns botões, colocar a Alemanha sem gás para corrigir as asperezas do inverno e com os automóveis parados no meio das ruas por falta de combustível.

A tudo isto faziam ontem referência vários analistas, que, convergindo no espanto com que receberam as palavras de Trump – ditas num encontro com o secretário-geral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg, ex-primeiro-ministro galardoado em 2011 pela ONU a propósito do seu envolvimento pessoal nas questões das alterações climatéricas, algo que para Trump deve ser incompreensível – colocaram abertamente a pergunta: a NATO sobreviverá a Trump?

Jonathan Marcus, especialista da BBC em diplomacia, responde: provavelmente não. “Os diplomatas da NATO resignaram-se a negociar os altos e baixos da presidência norte-americana. Agora, há receios genuínos de que um segundo mandato de Trump poderia deixar a organização marginalizada e sua espinha dorsal transatlântica seriamente danificada”.

Até porque, recorda o analista, a NATO está esvaziada de sentido: “desde o início, a NATO era uma aliança militar defensiva destinada a impedir qualquer ataque da então União Soviética. Terminada a Guerra Fria, a NATO definiu as novas tarefas: tentar espalhar a estabilidade em toda a Europa, acolhendo novos membros, estabelecendo uma ampla gama de parcerias com outros países, mas também usando a força de vez em quando (principalmente nos Balcãs) para prevenir agressões e genocídios. Mas a aliança sempre foi mais do que apenas uma organização militar: é uma das instituições centrais do ‘ocidente’, parte de toda uma série de organismos internacionais através dos quais os Estados Unidos e seus aliados procuraram regular o mundo que emergiu da derrota dos nazis em 1945. Mas fundamentalmente, a NATO é uma aliança de valores partilhados e de unidade transatlântica. E é por isso que a chegada do Sr. Trump à Casa Branca está a mostrar-se tão perturbadora”.

E é perturbadora desde logo porque, nas palavras do analista Francisco Seixas da Costa ao Jornal Económico, “há uma clara intensão de Trump desestabilizar e dividir a União Europeia”. E a NATO é apenas mais um instrumento dessa estratégia de ‘fazer a América grande outra vez’, à custa do apoucamento dos seus parceiros tradicionais e da divisão dos seus concorrentes.

“Questionar o valor da NATO por parte dos Estados Unidos é algo novo e profundamente preocupante para muitos dos parceiros de Washington”, prossegue o analista da BBC, para quem os novos desafios – “o ressurgimento da Rússia, a guerra cibernética e digital, o terrorismo, a imigração em massa” – continuam a requerer uma resposta comum.

E é essa resposta comum que Donald Trump coloca em causa pela segunda vez (nas duas cimeiras em que esteve presente) quando releva salienta a importância do que separa os Estados Unidos dos outros Estados-membros, ao invés de salientar o que os une. A conclusão parece evidente: o que os une já é quase nada.

A acrescentar ao mal-estar que se instalou no megalómano edifício da NATO em Bruxelas acrescenta-se ainda o facto de Trump ter encontro marcado com o presidente russo dentro de poucos dias em Helsínquia, na Finlândia – que por acaso fez parte do império russo entre 1809 e 1917 e não por acaso não é membro da NATO (a Rússia desmotiva os seus vizinhos a entrarem na organização, como é o caso mais problemático da Ucrânia).

É neste quadro de absoluto desconforto entre duas partes cada vez mais em oposição que a NATO irá esta quinta-feira passar por mais uma cimeira com todos os ingredientes para ser penosamente constrangedora e se calhar uma das últimas. Até porque, como recorda Jonathan Marcus – e a própria Angela Merkel já sugeriu – talvez tenha chegado a hora de a Europa saber defender-se a si própria.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.