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Eleições na Turquia: Economia de salário mínimo e com problemas estruturais gera insatisfação

A taxa de inflação não é o único problema da economia turca. Numa mesa mesmo junto à entrada da Universidade Altinbas, uma instituição privada frequentada por muitos alunos estrangeiros e onde ainda leciona, Hayci Kozanoglu, 67 anos, disseca o tema.
  • 32. Turquia
25 Maio 2023, 09h21

A economia da Turquia tem problemas estruturais e baseia-se na política do salário mínimo, disse à Lusa um especialista em temas económicos, enquanto pelas ruas de Istambul parece instalado um descontentamento quase generalizado.

Ayberk e Ozgur estão sentados numa mesa colocada num movimentado passeio, mesmo em frente à praça de táxis, de amarelo garrido, bairro de Fulya, zona central da megalópole. Bebem chá, aguardam por clientes e aproveitam para se queixar de um quotidiano que se tornou mais difícil nos dois últimos anos, apontando culpas também à inflação.

“Temos a crise económica, os sismos de 6 de fevereiro… não tenho esperança na minha vida, quase nada podemos comprar, e muito menos os jovens…”, desabafa Ayberk, 34 anos, que ainda deposita esperança na vitória do candidato da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, na segunda volta das presidenciais do próximo domingo.

“Houve fraude na primeira volta, montaram um cenário, mas esse cenário não será repetido na segunda volta. Vamos acabar com a fraude”, garante.

O seu amigo Ozgur, também taxista, reforça. “Há seis meses o salário mínimo era de 5.500 liras, podíamos comprar mil pães… Agora é de 8.500 liras [cerca de 425 euros] e nem metade podemos comprar devido à inflação. Mentem quando dizem que a inflação anual é 50%, julgo que vai aos 300 ou 400%”, arrisca.

A taxa de inflação não é o único problema da economia turca. Numa mesa mesmo junto à entrada da Universidade Altinbas, uma instituição privada frequentada por muitos alunos estrangeiros e onde ainda leciona, Hayci Kozanoglu, 67 anos, disseca o tema.

“A economia turca tem problemas estruturais, mas atualmente são mais importantes porque os recursos externos da Turquia estão a escassear pelo facto de quase não existir dinheiro no Banco central”, indicou à Lusa.

Desde janeiro, a lira já se desvalorizou mais de 10%, depois de ter recuado 44% no ano passado contra a moeda norte-americana. O flagelo do aumento generalizado dos preços insere-se neste contexto mais geral.

O professor de Economia aponta que a inflação real deverá rondar os 75% anuais, uma descida face aos 85% em outubro de 2022, tendência da estabilização da taxa de câmbio em moeda estrangeira, à custa do uso pelo Banco Central de quase todas as reservas para manter o câmbio entre 20 a 22 liras por dólar.

A intervenção direta do Presidente Recep Tayyip Erdogan na política do banco central é outro fator desestabilizador, na perspetiva do académico.

Erdogan, sublinha, já demitiu três presidentes do Banco central, o atual é o quarto e não é um perito em assuntos económicos, antes um ex-deputado do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamista conservador, no poder desde 2003 e liderado pelo Presidente).

“Na prática, Erdogan determina a política económica”, mas “ainda é uma incógnita o que poderá acontecer após a segunda volta das presidenciais”, que o atual chefe de Estado terá de disputar a 28 de maio, depois de na primeira volta há duas semanas ter ficado algumas décimas abaixo dos 50% dos votos necessários para ganhar à primeira volta.

Hayci Kozanoglu recorda que quando o AKP alcançou o poder, em 2003, a Turquia já estava a implementar um programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) que se prolongou por três ou quatro anos, e que foi aceite pelo partido islamista conservador, incluindo as tradicionais medidas de austeridade, até à sua conclusão.

“Depois, o AKP escusou-se a novas colaborações com essa instituição financeira. A Turquia teve uma crise monetária em 2018 e nesse período controlaram as taxas de juro e atraíram investimento estrangeiro”, recorda.

Agora, sublinha, “tentam seguir a política de baixas taxas de juro e depois das eleições a Turquia vai necessitar de elevadas somas de dinheiro estrangeiro, porque o atual défice corrente anual, a diferença entre o que se exporta e importa, atinge cerca de 15 mil milhões de dólares”.

Um saldo negativo das contas externas (-5,4% em 2022) que segundo diversos estudos resulta de uma aposta da economia turca na construção civil e numa indústria pouco especializada, e ainda no crescimento da procura interna, fazendo com que as importações sejam sistematicamente superiores às exportações.

Os dados divulgados indicam ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,6% em relação a 2021 (ano em que aumentou 11,4% em relação a 2020). Mas este ano, segundo a previsão do FMI, revist aem baixa já depois dos sismos de 06 de fevereiro, só deve crescer 2,7%.

Os relatórios também salientam que na última década, o desequilíbrio das contas externas da Turquia tem causado a desvalorização da moeda, a perda do poder de compra da população e um crescimento económico cada vez mais fraco. A Turquia também garante 40 mil milhões de dólares de rendimentos do Turismo, mais 10 mil milhões em rendimentos de transportes.

Mas, alerta Hayci Kozanoglu, “dentro de um ano a dívida externa pode atingir 203 mil milhões de dólares, mais 60 mil milhões de dólares de défice corrente, o que significa que Turquia vai precisar de 250 mil milhões de dólares de dinheiro fresco para 2024”.

“Os anteriores governos batiam à porta do FMI. Se Erdogan for eleito na segunda volta presidencial não estou seguro como vai pretender financiar-se. A Turquia também pediu empréstimos a países amigos, com dívidas a curto prazo. O banco central detém 34 mil milhões de dólares destas dívidas, financiadas pelos Emirados Árabes Unidos, a maior quantia, pela China, Arábia Saudita, Qatar”, precisa o professor universitário.

Perante este cenário, o académico considera que a economia do seu país passou a assentar no salário mínimo, após a opção de reduzir as taxas de juro para incentivar o consumo e atrair mais investimento, nacional e estrangeiro, mas com resultados pouco animadores.

“Aumentaram o salário mínimo em paralelo com a inflação, em particular na Anatólia, uma região conservadora. Normalmente essas pessoas não pagam o gás que consomem, os transportes, e o salário mínimo ronda as 8.500 liras (cerca de 425 euros), enquanto as pensões de reforma foram aumentadas [cerca de 30%] para um mínimo de 7.500 liras, mesmo antes das eleições”, sublinha.

O que não significa uma melhoria do nível de vida das populações. “O poder de compra dos trabalhadores tem diminuído, por exemplo o meu salário diminuiu em termos reais 40% desde 2020”, frisou.

O professor e analista económico aponta ainda para uma “taxa de desemprego estrutural” em redor dos 10%, e estável. Considerando os trabalhadores a tempo parcial e que procuram um emprego de longa duração, o número sobe para 24%.

“Apenas cerca de 45% da população em idade ativa está efetivamente inserida no mercado de trabalho com horário fixo e contrato. Na Turquia, se a economia apresenta sinais positivos, a taxa de participação no trabalho decai. Os homens trabalham e as mulheres ficam em casa. Quando os maridos ficam desempregados, as mulheres entram no mercado de trabalho, normalmente trabalhos duros, salários muito baixos, e na economia paralela…”, frisa.

Um crescimento económico abaixo de 5% ou 6%, como é esperado em 2023, será insuficiente para manter a criação de emprego na Turquia, principalmente entre os mais jovens, ainda segundo os economistas.

Mesmo que alheados das projeções e números lançados pelas instituições financeiras e especialistas económicos, os taxistas Ayberk e Ozgur vão continuar a sentir o peso da inflação na sua vida quotidiana.

Ozur após rápida pesquisa, mostra no telemóvel uns ténis que queria comprar: “Custavam 300 liras agora estão nas 3.000 liras. É um sistema baseado na inflação, na corrupção, na conivência. Arrendar uma casa em Istambul ronda as 7.000 liras por mês. E os jovens já não casam…”.

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