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Farfetch comprada pela “Amazon da Coreia”. Quem são os novos donos do primeiro unicórnio português?

Fundada em 2010 pelo empreendedor coreano-americano Bom Kim, a Coupang é uma empresa de entregas, tem SoftBank e Wolfswood Partners como acionistas e faz negócios nos Estados Unidos, Taiwan, Singapura, China ou Índia.
  • Cristina Bernardo
19 Dezembro 2023, 07h30

O primeiro unicórnio português é, cada vez menos, português. O grupo coreano-americano Coupang, de comércio eletrónico (e-commerce), fechou um acordo para aquisição da Farfetch, a retalhista da indústria do luxo criada por José Neves. Na Europa, o nome dos futuros donos da Farfetch não é muito sonante, mas na Ásia chamam-lhe “Amazon da Coreia do Sul”.

De facto, os fundadores da Coupang estudaram afincadamente o modelo de negócio da Amazon até que, em 2010, avançaram para esta sociedade. No início, pouco se preocuparam com as perdas, tal como Jeff Bezos (Amazon), Travis Kalanick (Uber) ou mesmo José Neves e outras tecnológicas de crescimento acelerado. A sede ainda esteve na cidade de Seul, na Coreia do Sul, até 2022, mas foi relocalizada para Seattle, nos Estados Unidos.

Apoiado pelo SoftBank ou Wolfswood Partners, o grupo investiu em tecnologia de vanguarda para melhorar o sector da logística, expandiu operações para geografias como Taiwan, Singapura, China ou Índia, e eis que no ano passado apresenta o primeiro trimestre rentável – e tudo indica que 2023 será o primeiro ano completo de rentabilidade.

A dar um empurrão estão os milhares de robôs de armazém, controlados por Inteligência Artificial, como os que tem no centro de distribuição de Daegu, no qual investiu 320 bilhões de wons (224 milhões de euros) no ano passado e que funciona 24 horas, de acordo com uma reportagem do jornal económico japonês “The Nikkei”.

Quem são os principais rostos do fundo coreano? Bom Kim, CEO e presidente do conselho de administração, Gaurav Anand, Chief Financial Officer (CFO), Hanseung Kang, diretor de Gestão de Negócio, Harold Rogers, general counsel e Chief Administrative Officer, e TJ Kim, vice-presidente de Experiência de Cliente Digital.

Há pouco menos de 24 horas, o “Sunday Times” noticiava que a Farfetch estava a tentar fechar um acordo de resgate antes do Natal para evitar a insolvência, alguns dias depois de a “Sky News” avançar que a tecnológica luso-britânica estaria em conversações com vários operadores do mercado para encaixar centenas de milhões de dólares numa injeção de capital SOS.

O primeiro empréstimo dos novos donos, com efeitos imediatos para garantir a liquidez da empresa, é de 500 milhões de dólares (aproximadamente 458 milhões de euros). Sem a mesma, tanto a Farfetch como as suas subsidiárias “seriam incapazes de sobreviver”, nas palavras dos administradores.

Já no final do mês passado, quando o castelo de cartas se começava a desfazer, a empresa informou os investidores e stakeholders que não iria publicar, tal como estava previsto, os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2023 e nem iria realizar a conference call com analistas marcada para o 29 de novembro.

Aliás: “A empresa não fará quaisquer previsões ou orientações neste momento, e quaisquer previsões ou orientações anteriores não deverão ser consideradas confiáveis”. E assim foi até ontem. Os mais recentes outlooks/guidances, apresentados em agosto aquando da publicação das contas do segundo trimestre, apontavam para um GMV (Gross Merchandise Value, que corresponde às vendas) de 4,4 mil milhões de dólares (4 mil milhões de euros) este ano, mais do que em 2022.

“2023 está preparado para ser um grande ano para a Farfetch, com forte crescimento do GMV, rentabilidade do EBITDA [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] ajustado e um cash flow positivo”, dizia José Neves, apesar de os alarmes começarem a soar com o regresso aos prejuízos – de 281,3 milhões de dólares (257,6 milhões de euros) – entre os meses de abril e junho.

O que também deverá ficar no campo do imaginário, como os unicórnios, poderá ser o chorudo acordo com a Reebok, cujo objetivo é transformar a marca desportiva e dar-lhe um toque mais premium nalgumas coleções. O primeiro impacto nas contas da plataforma da moda de luxo estava estimado nos 4,8 milhões de dólares (4,5 milhões de euros), mas a gestão desvalorizava o número e antecipava um potencial bastante superior.

No terceiro trimestre, a Coupang superou as previsões de Wall Street com uma receita de 6,2 mil milhões de dólares, mais 21% do que em termos homólogos, e um resultado líquido positivo de 91 milhões de dólares, mais um milhão de lucro num ano. O fluxo de caixa operacional fixou-se nos 2,6 mil milhões de dólares, segundo o relatório financeiro divulgado a 7 de novembro.

Mesmo no trimestre anterior, a Coupang publicou números robustos, que depressa se refletiram na valorização dos títulos e nas researchs dos analistas deste lado do Atlântico (bem antes de se saber que o nome desta empresa entraria no vocabulário do mercado português).

Só a capitalização bolsista é que fica aquém, uma vez que Coupang foi avaliada em mais de 80 mil milhões quando entrou na bolsa de Nova Iorque em março de 2021, mas vale agora menos de 30 mil milhões. As ações da Coupang estavam a descer 4,14% para 16,32 dólares às 18h00 desta segunda-feira no índice Dow Jones.

“Embora a Coupang se tenha esforçado para reduzir a sua dependência dos distribuidores, o que lhes permite expandir as margens e, ao mesmo tempo, baixar os preços para os consumidores, permanece uma oportunidade significativa para maiores reduções”, alertou um dos investidores da Coupang, o fundo Baron Global Advantage, numa mensagem divulgada no mês passado pela Yahoo Finance.

Ainda assim, o fundo Baron enaltece a mentalidade out-of-the-box (fora da caixa) da empresa, a forma como conseguiu reduzir a utilização de caixas e entregar alimentos sem exigência de frio, através de eficiência na cadeia de abastecimento, ou até encher camiões para que cada transporte leve o dobro das encomendas de um camião UPS ou FedEx, apesar de ter metade do tamanho. Resta saber se o conhecimento e estratégia na logística se pode aplicar à moda de luxo e salvar a “nossa” Farfetch.

A última informação da Farfetch ao mercado, na qual confirma o empréstimo, a saída de bolsa e renúncia da administração, está disponível aqui. José Neves é agora o único membro do board.

O Jornal Económico sabe que os trabalhadores da Farfetch foram todos informados sobre a mudanças na estrutura acionista pouco tempo antes de a informação vir a público de ambas as partes.

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