[weglot_switcher]

FMI alerta para as taxas de juros baixas criarem excesso de endividamento das empresas

Alerta o FMI que num cenário de desaceleração económica substancial a dívida empresarial em risco (valores devidos por empresas sem receitas suficientes para pagar as suas despesas de juros) poderia subir para 19 triliões de dólares – ou quase 40% da dívida corporativa total das maiores economias e acima dos níveis da crise.
16 Outubro 2019, 13h30

O FMI publicou o seu Global Financial Stability Report, o relatório sobre a estabilidade financeira mundial, de outubro, onde identifica as  principais vulnerabilidades do Sistema Financeiro Global.

Sem referência ao caso português especificamente, o FMI alerta para o aumento mundial do endividamento das empresas, para o aumento dos ativos mais arriscados e líquidos nas carteiras de investidores institucionais, fruto da conjuntura de taxas de juro negativas, e alerta ainda para a maior dependência de captações externas “em economias de mercado emergente e de fronteira”.

O montante de obrigações com rendimentos negativos subiu para cerca de 15 triliões de dólares

O que devem fazer as autoridades? O FMI responde dizendo que é preciso tratar das vulnerabilidades empresariais intensificando o rigor da supervisão nomeadamente macroprudencial. É preciso abordar os riscos dos investidores institucionais reforçando a supervisão e os requisitos de divulgação de informações e implementar práticas e quadros prudentes de gestão de dívida soberana.

Os mercados financeiros estão a ser fustigados pelo fluxo e refluxo de tensões comerciais e pelas crescentes preocupações com as perspectivas económicas globais, alerta ainda o FMI.

A desaceleração da atividade económica e a exacerbação dos riscos de recessão provocaram uma transição para políticas monetárias mais amigáveis por esse mundo fora, que têm sido acompanhada de quedas acentuadas na rentabilidade dos mercados. Como resultado, o montante de obrigações com rendimentos negativos subiu para cerca de 15 triliões de dólares, revela a instituição.

Os investidores acreditam que as taxas de juros vão continuar muito baixas por mais tempo do que o previsto no início do ano.

Os retornos mais baixos forçaram seguradoras, fundos de pensão e outros investidores institucionais, que trabalham com metas de retorno nominal, a investir em títulos mais arriscados e com menos liquidez mas com juros mais altos. Como resultado, esses investidores tornaram-se uma importante fonte de financiamento para empresas não financeiras, o que, por sua vez, facilitou o aumento do peso da dívida corporativa.

Busca de yields empolou preço dos ativos

O FMI descreve como a busca de rendimento (yield), por parte dos investidores distendeu os preços dos ativos em demasia em alguns mercados e promoveu outra flexibilização das condições financeiras face às descritas na edição de abril de 2019 do Global Financial Stability Report (GFSR).

A política monetária acomodatícia apoia a economia a curto prazo, mas as condições financeiras brandas incentivam a tomada de risco e estão a estimular um novo stock de vulnerabilidades em alguns setores e países.

As vulnerabilidades do setor empresarial já estão elevadas em várias economias de importância sistémica como resultado do aumento do endividamento e da redução da capacidade de servir a dívida.

Alerta o FMI que num cenário de desaceleração económica substancial, que equivale a metade da gravidade do cenário de crise financeira global, a dívida empresarial em risco (valores devidos por empresas sem receitas suficientes para pagar as suas despesas de juros) poderia subir para 19 triliões de dólares. – ou quase 40% da dívida corporativa total das maiores economias e acima dos níveis da crise.

Taxas de juro baixas levam investidores para ativos mais arriscados e ilíquidos

As taxas de juros muito baixas estão a levar os investidores a buscar aplicações mais rentáveis e a recorrer a ativos mais arriscados e ilíquidos para gerar os retornos desejados,

As vulnerabilidades das instituições financeiras não bancárias estão elevadas em 80% das economias com setores financeiros de importância sistémica (por PIB), diz o FMI. “Essa parcela é similar à observada no auge da crise financeira global”.

As vulnerabilidades também continuam acentuadas no setor de seguros. A busca de rendimento por parte dos investidores institucionais pode criar exposições que ampliem choques em períodos de stress no mercado: as semelhanças entre as carteiras dos fundos de investimento podem intensificar uma onda de venda no mercado, os investimentos ilíquidos dos fundos de pensões podem restringir o seu papel na estabilização de mercados, como ocorreu no passado, e os investimentos externos de seguradoras de vida poderiam facilitar o contágio a outros mercados, aponta o FMI.

Baixos juros aumenta dívida externa dos mercados emergentes

Além disso, as baixas taxas de juros oferecidas nas economias avançadas estimularam os fluxos de capitais para os mercados emergentes. Esses fluxos de capital têm respaldado a ampliação do endividamento: a dívida externa mediana nas economias de mercado emergente aumentou para 160% das exportações em comparação com 100% em 2008. Em alguns países, esse rácio ultrapassou os 300%.

Empresas estatais excessivamente endividadas podem precisar de apoio soberano

Caso ocorra um aperto pronunciado nas condições financeiras globais, o endividamento adicional poderá acentuar os riscos de reescalonamento e sustentabilidade das dívidas. Por exemplo, algumas empresas estatais com endividamento excessivo poderiam encontrar mais dificuldades para manter o acesso ao mercado e honrar os seus passivos sem apoio soberano. A maior dependência de recurso a financiamento externas em algumas economias de mercado de fronteira também poderá aumentar o risco de sobre-endividamento futuro, alerta o FMI.

A regulamentação tornou bancos mais resilientes, mas persistem fragilidades

As regulamentações adotadas na esteira da crise financeira global aumentaram a resiliência geral do setor bancário, mas ainda há instituições mais frágeis.

Os rendimentos negativos e o achatamento das curvas de juros – em combinação com projeções mais modestas de crescimento – têm reduzido as expectativas de rentabilidade dos bancos, e o valor de mercado de alguns bancos caiu para níveis reduzidos. Os bancos também estão expostos a setores com alta vulnerabilidade nas atividades de crédito, deixando-os suscetíveis a possíveis perdas, diz o FMI.

Na China, as autoridades foram forçadas a intervir em três bancos regionais. Em bancos fora dos EUA, a fragilidade do financiamento em dólares – que foi uma causa significativa de stress durante a crise financeira global – continua a gerar vulnerabilidade em muitas economias.

Fragilidade do financiamento em dólares

A fragilidade do financiamento em dólares pode ampliar o impacto de um aperto nas condições de financiamento e afetar países que se financiam em dólares junto a bancos fora dos EUA.

A importância dos princípios ambientais, sociais e de governance está a aumentar para devedores e investidores. Os fatores ambientais podem ter um impacto relevante no desempenho empresarial e criar riscos de estabilidade financeira, sobretudo na sequência de perdas relacionadas com o clima.

As autoridades têm um papel importante no desenvolvimento de normas para o investimento baseado nos princípios ambientais. Esse papel, juntamente com a necessidade de eliminar as lacunas dos dados e incentivar a divulgação mais uniforme de informações, é discutido no relatório do FMI.

Autoridades económicas devem apertar as políticas macroprudenciais e as ferramentas macroprudenciais

O FMI realça que as políticas macroeconómicas e macroprudenciais devem ser adaptadas às circunstâncias específicas de cada economia. Nos países onde a atividade económica continua robusta, mas as vulnerabilidades são altas ou estão em crescimento, com condições financeiras ainda distendidas as autoridades económicas devem apertar as políticas macroprudenciais com urgência, inclusive as ferramentas macroprudenciais de base ampla (como a reserva de capital contracíclica), defende o fundo.

Nas economias em que as políticas macroeconómicas estão a ser flexibilizadas em reação à deterioração das perspectivas, mas com vulnerabilidades em determinados setores que continuam a causar preocupação, as autoridades económicas podem ser forçadas a utilizar uma abordagem mais direcionada para lidar com riscos específicos de vulnerabilidade.

Para as economias que enfrentam uma desaceleração significativa, o enfoque deve concentrar-se em políticas mais acomodatícias, levando em consideração o espaço de política disponível, defende o fundo.

As autoridades devem tomar medidas urgentes para resolver as vulnerabilidades financeiras que poderiam exacerbar a próxima crise económica, defende o FMI.

A subida do endividamento empresarial deve fomentar uma supervisão rigorosa das práticas bancárias de avaliação de risco de crédito e financiamento. É necessário empreender esforços para ampliar a divulgação de informações e a transparência em mercados financeiros não bancários para permitir uma avaliação mais abrangente dos riscos, defende o fundo.

Nas economias em que o endividamento total do setor empresarial seja considerado sistemicamente elevado, as autoridades podem considerar o desenvolvimento de ferramentas prudenciais para empresas altamente alavancadas, além das ferramentas prudenciais para setores específicosviés

A atenuação do enviesamento dos sistemas tributários que favorece o financiamento com capitais de terceiros em detrimento de capitais próprios também ajudará a reduzir os incentivos para o endividamento excessivo.

A subida da parcela de títulos mais arriscados e ilíquidos nas carteiras de investidores institucionais é outro problema identificado. O FMI defende que se deve reforçar a supervisão de entidades financeiras não bancárias.

As vulnerabilidades dos investidores institucionais podem ser sanadas com os devidos incentivos (por exemplo, para reduzir a oferta de produtos com retorno garantido), normas de solvência e liquidez mínimas e maior divulgação de informações, considera o FMI.

Uma maior dependência de financiamento externo em economias de mercado emergente e de fronteira é uma das vulnerabilidades apontada. As economias de mercado emergente e de fronteira endividadas devem mitigar os riscos de sustentabilidade da dívida com práticas prudentes e estrutura sólida de gestão, defende o FMI.

A coordenação global de políticas continua a ser essencial, alerta a entidade. “É necessário resolver as tensões comerciais, tal como discutido na edição de abril de 2019 do World Economic Outlook”, diz.

As autoridades económicas também devem concluir e implementar plenamente a agenda da reforma regulatória global para que não haja retrocessos da regulação, defende o FMI. Recorde-se que em Portugal o Ministério da Finanças português tem como prioridade a reforma da supervisão financeira.

O FMI diz que também é necessário dar continuidade à coordenação e colaboração internacional para assegurar uma transição tranquila da LIBOR para novas taxas de referência em uma ampla variedade de contratos financeiros no mundo inteiro até o fim de 2021.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.