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Mais visão e estratégia para a habitação a longo prazo

Vários responsáveis do sector imobiliário pronunciam-se sobre o cenário do mercado no próximo ano, analisando a eficácia das medidas anunciadas pelo Governo para a habitação.
12 Novembro 2023, 22h23

Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal

Em 2024, o mercado imobiliário em Portugal enfrentará desafios significativos, moldados em grande parte pelas medidas governamentais, pela imprevisibilidade do contexto macroeconómico e pela instabilidade geopolítica internacional. Apesar de concordarmos com os grandes objetivos relativamente à habitação traçados pelo Governo no programa Mais Habitação e no OE, lamentavelmente, e com base na nossa vasta experiência em Portugal e noutros mercados internacionais, prevemos que os resultados das medidas a implementar possam divergir das expectativas iniciais. A consequência imediata destas medidas poderá implicar uma redução na oferta habitacional, que pode intensificar o desafio já existente de tornar a habitação acessível, deixando os jovens e as famílias mais carenciadas numa situação ainda mais difícil. Devemos aceitar e comunicar, de forma transparente, que mesmo soluções eficazes não irão produzir impactos imediatos. Face a este panorama, continuamos a sentir a necessidade urgente de repensar e recalibrar as políticas habitacionais. É crucial que se adote uma nova visão e uma estratégia para a habitação assente numa lógica de longo prazo. A sustentabilidade e inclusão no sector habitacional requerem uma abordagem holística e estratégica, muito além de uma perspetiva de intervenções pontuais. O verdadeiro desafio para o Governo e para os stakeholders do sector será definir e implementar medidas que, embora talvez não ofereçam resultados instantâneos, possam garantir a construção das bases para um mercado imobiliário mais adequado, equitativo e sustentável para as gerações futuras.

José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties

O cancelamento do programa dos RNH vai ter consequências múltiplas e não só no imobiliário. Neste sector, é previsível o abrandamento na oferta e um menor interesse por parte de investidores estrangeiros interessados em Portugal (que continua com falta de capital). Isto afetará a fileira industrial, que já sente um resfriamento nas encomendas e nos preços, num momento em que a instabilidade económica internacional poderá afetar as exportações. A redução de atração de talento, incluindo de portugueses a viver no estrangeiro há mais de cinco anos, vai aumentar a “sangria” nacional – dado que, nada do orçamento para 2024 visa resolver ou contribuir para resolver as causas do problema. Iremos assistir ao cancelamento de importantes investimentos na área tecnológica, visto que, a taxação em Portugal para salários europeus, não é competitiva. A decisão, sem racional conhecido, afeta uma vez mais a confiança em Portugal. Estamos a dar trunfos à nossa concorrência e mais uma justificação para os grandes fundos de pensões internacionais e fundos soberanos, não investirem em Portugal no buil-to-rent. O PRR, de per se, não resolverá nada. Esta medida, se for adiante, vai constituir um erro, monumental. Aceitamos receber migrantes de baixo valor acrescentado e recusamos os demais, aqueles que fazem a diferença, que consomem e promovem mais e melhores empresas. Sem crescimento, sem criação de riqueza, não há crescimento nos salários.

Jorge Nandin de Carvalho, presidente da APPC (Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores)

Muito se tem falado, e infelizmente com escasso consenso, sobre as medidas de apoio ao mercado imobiliário em 2024. Desde logo trata-se de medidas que se podem dividir entre aquelas tendentes a aumentar a oferta de habitação, sempre de impacto moroso, e aquelas que se destinam sobretudo a permitir que os imóveis permaneçam no mercado, ou seja, que as pessoas mantenham o acesso a habitação e se reequilibrem condições para que importantes faixas da população mantenham a capacidade de estar no mercado de arrendamento e os proprietários consigam apesar de tudo obter uma remuneração minimamente compensadora. Do lado dos consultores, que procuram estar sempre na dianteira das soluções, as empresas têm estado muito ativas no apoio a promotores, nas urbanizações e projetos e nos serviços de gestão de empreendimentos e fiscalização. Dito isto, esperemos que os incentivos à estabilização do mercado que vêm sendo definidos possam surtir os efeitos almejados e que também os demais agentes relevantes, promotores, investidores e sector financeiro saibam acomodar transitoriamente papéis que possam permitir a sustentação dos mercados nestes anos difíceis com que nos deparamos. A APPC – Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores propõe-se cumprir o seu papel e vai realizar em 21 de novembro o seu primeiro congresso, subordinado ao tema “Arquitetura e Engenharia, Um Setor em Mudança Acelerada” visando reforçar o debate sobre os grandes desafios do sector, como sejam a sustentabilidade, digitalização e industrialização da construção.

Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal

O ano de 2024, em termos de matéria orçamental e ao contrário das expectativas do sector, não trará consigo uma evolução notória no que ao mercado imobiliário diz respeito. São quatro os grandes pilares que sustentam esta estratégia traçada pelo Governo: a supressão de situações habitacionais indignas, o aumento da oferta de arrendamento acessível, a requalificação do parque habitacional público e a criação de respostas em termos de alojamento de emergência e de transição. No entanto e a meu ver, existem dois pontos que carecem de uma análise mais detalhada. No que à construção diz respeito, seria expectável que figurasse neste documento de Estado uma medida que implicasse uma redução da taxa de IVA na construção nova. A ausência de uma medida deste âmbito irá agudizar o ritmo já lento que este segmento tem demonstrado. Por outro lado, o novo Simplex Urbanístico, traz consigo um vislumbre de esperança podendo, ainda que, tenuemente, reduzir prazos de construção e alavancar a oferta disponível do parque habitacional. A constante instabilidade legislativa e fiscal que se verifica em Portugal é evidente e esta proposta apresentada pelo Governo não inclui também qualquer medida que vise resolver o cerne da questão. O fim do regime de Residentes Não Habituais veio provocar uma incerteza no que respeita ao sentimento dos investidores internacionais, uma medida que irá protelar os processos de tomada de decisão, além de ter um impacto negativo na atração e retenção de talento estrangeiro no país e de resultar num prejuízo de milhões de euros no panorama nacional. O elevado nível de resiliência característico do mercado imobiliário será a chave para responder aos desafios que 2024 nos trará.

Paulo Caiado, presidente da APEMIP

Acreditamos que o principal impacto das medidas do Governo será o de alguma retração da atividade económica associada ao sector imobiliário. Para este cenário, terá impacto direto o fim do programa dos vistos gold, que eliminou aqueles que procuravam Portugal com este objetivo, bem como o fim do RNH, que eliminou aqueles que procuravam Portugal com o benefício fiscal associado. Temos ainda que a incisão sobre o Alojamento Local, que afastou seguramente aqueles que poderiam procurar empreender nesta atividade, com a agravante da opinião pública sobre os proprietários, que desincentiva aqueles que poderiam interessar- -se por este sector.

Francisco Horta e Costa, diretor geral da CBRE

O Governo apresentou algumas medidas que constam no Orçamento do Estado para 2024, que se focam, essencialmente, no mercado de arrendamento e no alívio dos créditos à habitação e bonificação de juros. Apesar de termos em conta que estas resoluções possam, efetivamente, apoiar famílias e que, naturalmente nesse caso, sejam positivas, sabemos que não resolvem o problema do mercado imobiliário em Portugal, nomeadamente no que diz respeito à escassa oferta de habitação. Nos últimos anos o Parque Habitacional cresceu apenas 2%, pelo que é urgente que o governo se foque em licenciamentos mais rápidos, que permitam estimular investidores a avançar com novas construções e que possam chegar ao mercado produtos imobiliários na forma de habitação para venda e arrendamento. Além disto, é fundamental a aposta numa fiscalidade mais amiga dos investidores, pois o mercado português continua a ser atrativo e existem promotores com interesse em apostar no nosso país. Adicionalmente, a instabilidade fiscal e legislativa que se tem verificado também assusta aqueles que olham para o nosso país com uma visão de médio e longo prazo.

Com uma oferta mais alargada e uma procura estável pode esperar-se, certamente, uma baixa de preços na habitação. Assim, continuamos expectantes para ver o que podemos esperar do mercado imobiliário em 2024, mas cientes de que as medidas de apoio têm de centrar-se na nova construção, tendo em conta que há espaços disponíveis e o nosso país continua a ser aliciante.

António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais

O mercado imobiliário em Portugal continuará a atravessar um período complexo. A necessidade de habitação para residentes é enorme – cerca de 80 mil casas – e atravessamos um enquadramento económico difícil (aumento do custo de vida e redução do investimento empresarial). Além disso, o Governo tomou a iniciativa de, na proposta de Orçamento do Estado, terminar com o regime dos Residentes Não Habituais (o que levou, por exemplo, em Espanha à busca junto de fiscalistas de destinos alternativos, sendo Espanha, Itália e Grécia países bem posicionados para captar este investimento). Acreditamos que possa existir um efeito dominó e algum investimento internacional no país possa desaparecer, no imobiliário e no segmento industrial. Menos investimento traduz-se na quebra de riqueza, que impacta os cidadãos. Suprimir a classe mais valorizada do imobiliário introduzirá desequilíbrios no mercado que, em vez de contribuir para o aumento da oferta de habitação, terá o efeito contrário. Estamos a implementar um modelo de construção híbrida (madeira e betão) com provas dadas, ambientalmente mais sustentável e mais rápido, que reduz o tempo de obra. Em Portugal, não é apenas o tempo de construção que dificulta a entrada de novas casas no mercado, é também o lançamento dos concursos e posteriores licenciamentos, que são lentos. O mercado imobiliário, como o sector da construção, continuará a ser um motor da economia. Mas os desafios têm de ser abordados urgentemente, ou as consequências económicas e sociais serão ainda mais desoladoras.

Miguel Cabrita Matias, Board Member Mexto Property Investments

Para as famílias portuguesas no geral, as medidas do programa mais habitação são positivas, pois permitirão aliviar os orçamentos familiares no contexto de subidas das taxas de juro. Contudo, estas medidas são pontuais e não irão resolver o problema de base da falta de habitação que é um problema estrutural. O programa aprovado não oferece condições para que os promotores imobiliários olhem com interesse a promoção de projetos de habitação nova para a classe média, a carga fiscal continua a ser excessiva inviabilizando muitas vezes o desenvolvimento dos projetos. Isto terá como consequência que a procura continuará a ser muito superior à oferta e como tal a escalada de preços continuará. No entanto, do ponto de vista de investimento, este programa não é minimamente atrativo: congelar rendas diminui o apetite de investidores para o negócio do arrendamento, o que se traduzirá no contínuo aumento do valor das rendas. Acabar com os vistos gold e o estatuto de residente não habitual diminui o interesse do investimento estrangeiro; não nos podemos esquecer que foi este o grande impulsionador da reabilitação do nosso património arquitetónico e das nossas cidades, mais grave ainda é sabermos que não são estas medidas que irão resolver nem sequer uma parte o grande problema da habitação em Portugal, pelo que, não restam dúvidas de que o “mais habitação” não é a solução para o grave problema que o país tem em mãos e que é o direito à habitação condigna para todos os portugueses.

 

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