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Podem as divisas digitais substituir o dinheiro físico?

Os agentes do setor dividem-se sobre se o ‘cash’ está condenado e sobre o papel das criptomoedas no futuro financeiro. É, no entanto, consensual que Portugal está a acompanhar os avanços tecnológicos.
24 Fevereiro 2018, 16h00

O dinheiro físico pode ainda não ter o óbito oficialmente declarado, mas a tendência é de diminuição do cash em circulação, especialmente nas economias desenvolvidas. As grandes dúvidas são se o futuro caminha para um mundo cashless e quais as alternativas.

“Em grande parte, as criptomoedas foram um motor importante da digitalização do setor. O que estamos a assistir é uma mudança de paradigma total do setor”, explicou o CEO da fintech Easypay, Sebastião Lancastre.

João Freire de Andrade, head of venture capital do Banco de Investimento Global, não parece ter dúvidas quando a questão é como vê o futuro do dinheiro. “Invisível”, diz. “Ao longo dos séculos, têm surgido diversas inovações com o objetivo de facilitar a transação de valor – a própria moeda, notas, cheques, transferências digitais e, agora, as criptomoedas. Creio que a função do dinheiro se manterá. No entanto, a forma irá metamorfosear-se de acordo com a conveniência que a tecnologia permitir”.

O responsável pelo fundo português de capital de risco focado em fintech considera que as divisas digitais são facilitadores da visão de conveniência e invisibilidade do dinheiro. “Tecnicamente, permitem a facilidade na transacção – incluindo grandes montantes – deixando o rasto necessário para cumprirem os controles regulatórios exigidos pelos supervisores”, afirmou Freire de Andrade, acrescentando que “ainda existe um vasto espaço para a disrupção e para a evolução do setor, especialmente em Portugal”.

As criptomoedas são apenas parte de uma nova dimensão digital e tecnológica do sistema financeiro. A tecnologia por trás das criptomoedas, o blockchain, tem potencialidades alargadas para o setor, dada a sua utilização nas dimensões de utilities, segurança e protocolo, além das divisas.

No entanto, são também uma parte que é alvo de muitas críticas. “Não acreditamos [que o futuro passe por divisas digitais], até porque as moedas digitais não estão reguladas por nenhum governo, nem por nenhum banco. O maior problema que enfrentam é a falta de transparência”, referiu a fintech de câmbio Ebury, acrescentando que o “dinheiro físico como o conhecemos dificilmente desaparecerá”. Segundo a Ebury, a circulação de dinheiro físico está demasiado disseminada pelos Estados e a quantidade nas mãos das populações está diretamente ligada à economia real, pelo que a morte do dinheiro não deverá estar próxima.

Sebastião Lancastre, da EasyPay, contra-argumenta questionando: “Se deixássemos de utilizar uma moeda por esta ser utilizada em esquemas fraudulentos e de lavagem de dinheiro, o que nos resta? Voltamos à economia de subsistência e de trocas de couves por alfaces?”. Considera que a segurança da bitcoin é de grande importância, mas também que as criptomoedas são “perfeitas”, por estarem pouco expostas às leis dos Estados, serem regidas pela lei básica da oferta e da procura e pela possibilidade de transferência de capital rapidamente de qualquer parte do mundo. “O futuro vai acontecer de qualquer forma e passa pelas moedas criptográficas”, defende.

De forma conciliadora, Vitor Ribeirinho, deputy chairman da KPMG Portugal lembra que o caminho para uma sociedade cashless não ocorre à mesma velocidade em todo o lado. Na Suécia, por exemplo, 97% da população tem acesso a cartão bancário e 85% tem acesso a homebanking, de acordo com dados do banco central sueco, “mas há geografias em que a ausência de infra-estruturas tecnológicas impede que essa seja uma visão realista num futuro próximo”, diz.

Em Portugal, fonte oficial da SIBS indica que são processados mais de 20 milhões de cartões existem mais de 1,3 milhões de utilizadores de homebanking. “Estamos no bom caminho, temos um sistema de pagamentos avançado e eficiente, reconhecido internacionalmente e que mostra sinais de querer manter-se na linha da frente da inovação. Mas ainda existe um elevado peso do numerário como instrumento de pagamento”, explicou Vitor Ribeirinho.

Apesar de não ser consensual se é ou não prematuro pensar no fim do dinheiro físico e qual o lugar das criptomoedas no cenário futuro, os agentes do setor concordam que Portugal é um país avançado na digitalização do setor financeiro e estão confiantes na transição do país para um sistema tecnológico, a acompanhar as exigências dos portugueses. “Os utilizadores são cada vez mais exigentes e procuram uma experiência ágil e eficiente e essa é dada por estas ferramentas. Portugal é um país voltado para a tecnologia, caraterizado por ser early adopter de novos produtos, principalmente quando comparado com outros países europeus”, destaca a Ebury.

Já Vitor Ribeirinho, da KPMG, considera que o caminho será tão mais rápido quanto maior a capacidade de os players trazerem para o mercado soluções seguras que vão ao encontro das necessidades e expectativas dos diferentes perfis de consumidores”.

A tecnologia financeira está a desempenhar um papel essencial na transformação da banca a nível global, segundo Freire de Andrade, do BiG, que considera que Portugal tem boas startups a trabalhar no tema. No entanto, alertou que “bancos, Governo e reguladores ainda não estão suficientemente organizados para aproveitarem esta mudança da melhor forma”. “Para realmente aproveitar esta vaga, Portugal deve definir estrategicamente como e onde quer ser o melhor na Europa sem fronteiras bancárias”, acrescentou.

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