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PS e PCP bloquearam desmantelamento da PIDE, destaca historiador

O livro “Morte à PIDE!”, publicado este mês, está composto por duas partes. Na primeira, o dia 25 de Abril, os dias seguintes e as perseguições aos ‘pides’ procurando encontrar, segundo o autor, as diferentes vozes de que é feita “uma revolução vivida”.
  • Cristina Bernardo
30 Junho 2019, 10h50

O PCP e o PS usaram a memória da PIDE como peças de um jogo político, dificultando o trabalho da Comissão da Extinção da polícia política portuguesa, disse à Lusa o historiador António Araújo, autor do livro “Morte à PIDE!”.

“Não podemos esquecer que a memória da PIDE/DGS se torna numa peça de um jogo político entre o Partido Socialista e as forças mais à direita, e o Partido Comunista Português: o PCP a reclamar o monopólio da oposição à ditadura, o PS a não querer que se soubesse que havia nuances na ação da PIDE/DGS, e que os seus militantes não tinham sido alvo de espancamentos e torturas” sistemáticos, disse à Lusa o historiador António Araújo.

O livro “Morte à PIDE!”, publicado este mês, está composto por duas partes. Na primeira, o dia 25 de Abril, os dias seguintes e as perseguições aos ‘pides’ procurando encontrar, segundo o autor, as diferentes vozes de que é feita “uma revolução vivida”.

Na segunda parte, debruça-se sobre a “justiça feita ou não feita” aos antigos funcionários da antiga PIDE/DGS, incluindo os trabalhos da Comissão de Extinção da ex-polícia política do Estado Novo.

António Araújo recorda que, tal como já foi referido pelo coronel Rodrigo de Sousa e Castro, então presidente da Comissão de Extinção da PIDE/DGS, o PCP deu ordens aos militantes para não prestarem depoimentos à comissão, significando que os acusadores não tinham testemunhas.

“Uma vez que os comunistas tinham uma posição quase hegemónica na oposição à ditadura, não havia testemunhos que pudessem atestar sobre os males sofridos. A esse nível o trabalho foi muito dificultado porque é o mesmo que pensar, hoje em dia, que o Ministério Público acusa alguém e depois as testemunhas se recusam a falar”, diz António Araújo.

O historiador sublinha que o PCP alegou na altura, pela voz do então secretário-geral Álvaro Cunhal, que os militantes já tinham sofrido às mãos da PIDE/DGS e “não tinham que sofrer duas vezes”.

“O que eu penso é que o PCP não quis abrir processos judiciais sobre os seus militantes em que os julgamentos que não pudessem controlar. Havia o risco de julgamentos ou processos com algum impacto, mas depois, no final, não seriam aplicadas grandes penas, como não foram”, afirma António Araújo.

Segundo o historiador, o PCP não queria afastar-se da “lógica” do próprio partido sobre a “narrativa do passado ditatorial”, e que escapava ao seu controlo ao passar para os tribunais essa mesma narrativa.

“Por outro lado, a abertura de grandes processos poderia revelar, como eu refiro no livro, factos do passado autoritário que, por um lado, eram questões relacionados ‘sobre quem falou e sobre quem não falou na PIDE/DGS’, e que sempre marcaram muito o PCP”, defende, acrescentando os aspetos que diferenciavam os comunistas de outras figuras da oposição.

Para o historiador, esses processos podiam mostrar que havia uma grande seletividade social na ação da PIDE/DGS, em que os advogados oposicionistas da baixa lisboeta, ou mesmo fações ligadas aos republicanos e aos socialistas, não eram alvo de torturas sistemáticas como acontecia com os militantes do PCP e, mais tarde, com estudantes ou suspeitos de integrarem grupos de luta armada.

“Havia uma seletividade social e até ideológica na ação da PIDE/DGS e isso não interessava às forças políticas do pós-25 de Abril: que a fachada da oposição ao regime fosse completamente posta em causa e que se começasse a ver que havia várias nuances na ação e no trabalho da polícia política e na tortura”, referiu.

Por outro lado, o livro trata das questões relacionadas com o golpe militar, cujo plano não previu a neutralização da sede da polícia política, em Lisboa, talvez pela indefinição quanto à continuação do conflito nas colónias.

“O destino da Guerra Colonial, quando se dá o golpe de Estado, não está definido, e havia a necessidade de manter o esforço de guerra ou pelo menos de contenção de tropas e de proteção de tropas nos territórios africanos. Sendo assim, [o general] Costa Gomes manteve a ideia de manutenção de uma estrutura de informações nas colónias”, defende António Araújo, que considera igualmente as relações entre os militares e os serviços de informações no contexto da guerra.

“Havia também uma série de cumplicidades e laços entre os militares, que combatiam na Guerra Colonial, e as estruturas de informação da PIDE/DGS, nos teatros de guerra”, diz.

No livro, o autor escreve que, mesmo no dia 25 de Abril, “no dia inicial inteiro e limpo”, o destino da PIDE/DGS não foi isento de problemas e que, “aparentemente”, terá havido, da parte dos principais estrategas do golpe, um erro de cálculo ou de planeamento ao não eleger a sede da polícia política como alvo, onde os disparos dos agentes causaram a morte a quatro civis.

Em síntese, para o historiador, houve um Golpe Militar, o estratega foi Otelo Saraiva de Carvalho e o grande operacional foi Salgueiro Maia e, logo a seguir, desencadeou-se um movimento popular nas ruas de Lisboa e também do Porto, que decorre de uma forma inorgânica e muito espontânea, muitas vezes com traços de alguma violência.

“Nada disso significa manchar o 25 de Abril – é uma revolução e é natural que isso tenha ocorrido: que populares tenham ‘caçado’ e agredido agentes da PIDE. É natural que se tenha invadido as instalações da Censura e também outros movimentos de cariz menos político, como a tentativa de assaltos a supermercados, lojas e partir montras”, recorda.

O livro “Morte à PIDE! – A Queda da Polícia Política do Estado Novo”, de António Araújo (Tinta da China, 204 páginas), chegou às livrarias este mês, mas vai ser apresentado pelo autor no próximo mês de setembro.

António Araújo, jurista e historiador, mestre em Ciências Jurídico-Políticas, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e doutorado em História Contemporânea pela Universidade Católica Portuguesa, é também o autor de “Matar o Salazar – O Atentado de Julho de 1937”, que aborda os mecanismos iniciais da ditadura do Estado Novo e analisa a situação do oposicionismo, à época.

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