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Wall Street: ponto de viragem ou apenas correção necessária?

Sexta-feira foi traumática em Wall Street, com o Dow Jones a registar a pior sessão desde 2008. As quedas atingiram todos os setores e foram provocadas por subidas nas ‘yields’ das obrigações. Esta semana vai ajudar a perceber se estamos a assistir a um final do ‘rally’ ou apenas uma correção temporária.
  • Reuters
5 Fevereiro 2018, 07h35

“Não há um ativo de risco no seu ecrã que não esteja a sangrar hoje”, disse Michael Purves, chefe de estratégia global na Weeden & Co, na passada sexta-feira.

As palavras do analista, à Bloomberg, podem parecer fortes, mas são justificadas quando colocadas no contexto do dia ‘sangrento’ de sexta-feira nos índices acionistas norte-americanos. O Dow Jones Industrial Average tombou 2,54%. Em termos de pontos foi a pior sessão desde dezembro de 2008, altura de sessões de pesadelo durante a crise financeira.  O S&P 500 afundou 2,12% e o Nasdaq perdeu 1,96%, levando os dois índices a registarem a pior semana em dois anos.

Após o autêntico festival de recordes na semana anterior, as quedas dos últimos dias, e especialmente os tombos de sexta-feira, deixaram várias perguntas no ar.

Nenhum setor escapou

Vamos por partes. Primeiro, quão abrangente foi o movimento de venda? Por trás da reação de Michael Purves, da Weeden & Co, está o facto de nenhum dos 11 setores no S&P 500 ter escapado à ‘razia’ da semana passada, algo que não acontecia desde novembro de 2016. Ao contrário do que aconteceu em alguns momentos de correção no ano passado, nenhum setor ficou intacto, limitando a possibilidade de os investidores ‘rodarem’ os ativos para se protegerem das quedas.

Segundo, porquê agora? Há várias semanas que os analistas têm estado a alertar que as availações de muitas cotadas norte-americanas poderão estão ‘esticadas’, ou seja, que as cotações estão acima do que seria expectável, por exemplo no que se refere ao rácio Price to Earnings. O selloff da semana passada ocorreu quase a meio da época de resultados, precisamente numa altura em que os investidores esperavam que os números fortes da maioria das empresas levassem a atualizações das estimativas para os resultados para este ano, dando assim novo realismo aos rácios e às avaliações.

A explicação do timing das quedas da semana passada tem menos a ver com os resultados das cotadas do que com outro fator – a subida das yields das obrigações soberanas norte americanas, com a queda do preço dessa dívida, as Treasuries, no mercado secundário. A taxa da Treasuries a 10 anos subiu na sexta-feira para 2,845%, máximos de janeiro de 2014.

Taxas causam nervosismo

Essa subida das yields foi provocada por pelos dados fortes divulgados na sexta-feira pelo Departamento do Trabalho, com a criação de emprego em janeiro a superar as expetativas e os salários a registarem a maior subida em mais de oito anos.

“Tivemos um relatório bastante robusto sobre o mercado laboral e que alimenta a noção que poderemos ver mais aumentos nas taxas de juro, mais inflação e os mercados estão a debater-se com isto”, afirmou Chuck Carlson, CEO na Horizon Investment Services, à Reuters.

Ironicamente, um dos grande motores do rally nas ações, o forte crescimento da economia norte-americana, poderá levar a uma normalização mais rápida da política monetária e tornar as ações menos atrativas.

Na reunião da semana passada, a Reserva Federal manteve as taxas de juro inalteradas, como esperado, mas já há vários membros da Federal Open Market Committee a dizer que as três subidas previstas para este ano poderão ser insuficientes dado que a inflação está finalmente a acelerar.

“As pessoas estão a começar a ficar mesmo desconfortáveis com o aumento das taxas de juro que temos visto e com dúvidas sobre como isso vai jogar em relação à concorrência às ações”, explicou Carlson.

Michael O’Rourke, estrategista chefe na JonesTrading, sublinhou, também à Reuters, que um dos mantras do rally tem sido o facto de as ações serem vistas como mais baratas face às obrigações e, portanto, com esse último ativo a tornar-se mais barato, “os investidores estão a tomar lucros e é isso que têm de fazer”.

Na mesma linha, vários analistas explicam que apesar do nervosismo, muitos dos factores que fomentaram o rally mantêm-se firmes.

Reconhecendo que a subida das yields preocupou os mercados, Gary Bradshaw, gestor de portfolio na Hodges Capital Management, esclareceu, no entanto, que “se analisarmos isto com alguma perspetiva, os resultados têm sido tremendamente bons, e mesmo se estamos a ver alguma subida nas taxas, continuam muito baixas e a inflação ainda está contida”.

Para alguns analistas o movimento de correção não é uma má notícia. Jeanne Asseraf-Bitton, que lidera a equipa de research global multi-ativos na Lyxor Asset Management, frisou à Bloomberg que os investidores estão finalmente a rever as previsões sobre a reflação, algo já devia ter começado há algum tempo.

“O crescimento da economia global está forte e os resultados das cotadas estão sólidos, portanto não há razão para questionar o bull market nas ações. A subida das yields das obrigações é bem vinda, e é só a velocidade à qual está a acontecer que põe os investidores nervosos. Numa análise final, isto é uma correção saudável”, concluiu.

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