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Apostar nas grandes empresas para passar entre os ‘pingos da chuva’

Os mercados acionistas estiveram em alta nos últimos 10 anos. Aparentemente acabou um ciclo mas os analistas acreditam que um mercado em hipotética queda é uma oportunidade.
  • Price charts are displayed on a screen behind a trader as he works on the floor of the New York Stock Exchange after the closing bell in New York November 11, 2011. REUTERS/Lucas Jackson (UNITED STATES – Tags: BUSINESS)
19 Janeiro 2019, 19h00

Passaram 10 anos de subidas nos mercados acionistas. Para os analistas 2019 é um ano de incerteza, volatilidade e de oportunidade. As palavras mais ouvidas neste início do ano sobre os mercados financeiros são prudência, desaceleração económica e aproveitamento de oportunidades.

Na base de toda a indecisão estão políticas macro económicas e decisões estratégias a nível mundial cujos resultados são imprevisíveis. O futuro da Europa com o Brexit impacta sobre as empresas da União Europeia, mas a guerra comercial sino-americana pode significar perda de competitividade para a indústria chinesa e consequências sobre as indústrias europeias que dependem de mão-de-obra barata. A oscilação do preço do crude foi uma boa noticia nos últimos meses para o mundo ocidental, mas uma subida repentina impactará sobre toda a cadeia logística e consequentemente sobre toda a indústria. E depois temos as políticas monetárias da FED e do Banco Central Europeu. Este último a dar sinais de que no último trimestre do ano iniciará a inversão da tendência da taxa diretora negativa, depois de ter anunciado o fim da política monetária expansionista com o “quantitative easing”. Ricardo Evangelista, analista da ActivTrades, afirmou na última edição do JE que o BCE nem sequer terá condições para subir taxas em 2019. A mesma opinião tem o consultor financeiro José Santos Teixeira.

As opiniões dos analistas convergem na necessidade de escolher boas empresas que não estejam expostas à ciclicidade. E isto porque depois de um ciclo longo na economia ocidental e que aparentemente terá chegado ao fim, os próximos tempos serão de incerteza e prudência. Mas são as grandes empresas que continuam a ganhar dinheiro no meio da turbulência e da dúvida criada pela confusão geopolítica das super potências. Na prática, afirma Santos Teixeira, “quem aposta nas grandes empresas continua a passar pelos pingos da chuva”. Empresas de distribuição como a Amazon, ou alimentares como a Nestlé ou ainda farmacêuticas são exemplos das grandes multinacionais com provas dadas no longo prazo. O mesmo analista alerta para o desinteresse das obrigações, tendo em conta que num cenário futuro de subida de juros cada 1 ponto percentual de subida na taxa de juro significa uma descida de 8% no valor de uma obrigação. Ainda assim, acredita que os bancos centrais irão manter uma estratégia de taxas de juro baixas para manter as economias a funcionar normalmente. Por outro lado, recordam outros analistas que aumentos de 0,25 pontos percentuais não têm impacto nas decisões de investimento.

Questionado sobre o risco de uma crise em 2019 a resposta foi imediata: “Há risco porque os mercados estiveram a subir nos últimos 10 anos e crashs sempre os ouve, mas depois recupera-se e o investimento em ações deve continuar a ser tratado numa ótica de médio e longo prazos.

Em sintonia está Tiago Cardoso, analista da corretora XTB que para 2019 coloca o foco nas empresas dos EUA por questões de qualidade, e não descarta algumas empresas europeias. Na sua justificação para a opção vai buscar um estudo com uma série longa de 100 anos e onde concluiu que o retorno médio bruto anual é de 7%, sendo que apenas em 20% daquele período é que houve crescimentos de retorno entre os 5% e os 9%, com os restantes 80% do tempo com retornos de 1 ou 2% ou mesmo negativos. A primeira conclusão lógica que tira é que num ano de eventual decréscimo do retorno terá de ser visto como uma oportunidade. O boom acontece desde 2008 com as políticas do Quantitative Easing (QE) a estimular a economia e a despejar dinheiro a rodos, e com uma alteração da estratégia do banco central pode acontecer uma inversão e esse é um sinal que deve ser aproveitado para comprar empresas a desconto. O gestor da XTB dá o exemplo da Apple, que está a negociar a menos de 40% da média e acredita que nos próximos seis anos voltará à média e registará uma subida de 60% no seu valor, algo muito acima da média dos 7% no mercado de capitais dos últimos 100 anos. O analista antecipa grandes oportunidades nas ações de crescimento de dividendos nos EUA, sendo que o setor mais interessante será o dos REITS (Real Estate Investment Trust), o setor dos fundos imobiliários americanos e que foi o que mais caiu em 2018. Acredita que se estará a comprar empresas muito mais baratas do que o preço médio.

Sobre a subida dos juros diz ser uma falácia e desafia os investidores a uma análise histórica aos últimos 50 anos para se descobrir se a política monetária teve algum impacto diferenciador. E acrescenta que a “subida das taxas de juro é excelente para a economia pois significa a normalização das políticas económicas”. Sublinha que a FED ao fazer as subidas está a preparar-se para uma nova crise e isto porque “se não as subir como é que as poderá descer” para usar o instrumento da política monetária quando for necessário. Diferente é a situação da Europa onde não se consegue obter um rebound e onde é difícil encontrar uma normalização. Afirma que “quando regressar uma nova crise estaremos numa situação mais dramática do que os EUA”.

A sustentar a teoria de que os EUA são uma oportunidade estão declarações de Luca Paolini, da Pictet AM, citado pela Amboise Associés e onde afirma que depois das grandes Autoridades Monetárias mundiais se tornarem vendedores líquidos dos ativos financeiros, algo que decorreu de uma queda abrupta dos estímulos, é de esperar um excesso de liquidez para manter a toada de descida dos ativos acionistas. Acredita que este efeito negativo será da ordem dos 10% na avaliação global do mercado acionista. Para este ano o mesmo analista acredita que o dólar inverta a tendência (de subida), ao mesmo tempo que a economia americana abrande. A FED irá manter uma política monetária apertada. A casa Edmond de Rothschild, citada pela mesma fonte, fala em início de ano caótico com perspetivas de menos liquidez disponibilizada pelos bancos centrais, com o risco de um Brexit sem acordo, com o conflito do OE italiano e com a guerra comercial. Refere esta casa de investimentos em nota que estas incertezas “vão pesar na dinâmica das empresas e provavelmente no crescimento da economia mundial”. Adianta que as projeções de resultados das empresas mundiais vão ser revistas em baixa ainda que não antecipem a uma recessão para este ano. Concluem com a opinião de que “a correção dos mercados parece exagerada mas todos os riscos enunciadas podem vir a concretizar-se. No entanto, afasta o risco de inflação devido à depreciação do preço do crude que permitirá melhorar o poder de compra”. A recomendação geral é o investimento em ações e acredita que Theresa May terá sucesso, assim como um possível acordo sino-americano.

Evitar empresas endividadas

O elevado endividamento das empresas não foi tido em conta pelos mercados e este é o principal alerta dos analistas da Schroders, Alex Tedder e Simon Webber. Afirmam em nota que “há muita complacência nos mercados bolsistas quanto aos riscos de taxa de juro mais alta e elevado endividamento das empresas”. E adiantam que este não é o único risco para as rendibilidades e para as avaliações. Apontam os custos empresariais generalizados e a energia como fatores de risco para as empresas. Por outro lado, ligam este risco à tendência protecionista que surgiu com a nova política de Trump e que significa “menos eficiência” para produzir e que afeta diretamente a logística e a cadeia de abastecimentos. Em termos sucintos, aqueles analistas frisam que “uma era de baixos custos” foi uma das características do mais longo mercado em alta de sempre nos EUA, mas “existem claros sinais de pressões salariais e (pressões) nos custos”.

Afirmam que a “agressiva posição comercial mantida pelos EUA desde o início de 2008 continua a ser uma ameaça significativa para o bom funcionamento económico e para o fluxo de bens sem atritos por todo o mundo”, e alertam para o facto de as empresas cuja logística dependa da China poderão vir a ser confrontadas com uma pauta aduaneira que impacte 25% de custo acrescido nas exportações para os EUA.

Na avaliação que estes analistas fazem do mercado acionista americano e europeu a partir do 4º trimestre de 2018 indicam que os investidores “já não são tão complacentes em relação às preocupações comerciais como têm sido”, com as avaliações dos títulos acionistas a caírem para médias de longo prazo, ou mesmo abaixo destes, em termos de price earning ratio (PER).

Para a Schroders todo o cuidado é pouco com as empresas com dívida elevada e com as companhias que não podem aumentar preços para compensar os custos mais elevados que enfrentam.

Uma nota semelhante foi dada por Carlos Almeida, diretor de investimento no Best. Assume ter uma “posição neutra nas ações e em todas as geografias, quer seja nos EUA, emergentes ou global. O cenário para 2019 não será muito diferente do ano anterior e Carlos Almeida salienta o calendário político com as eleições presidenciais nos EUA em 2020, frisando que o tema eleitoral já começou com todo este tempo de distância depois do Congresso passar a ser dominado pelos Democratas. Este é um tema de conflito para Trump. Para este ano o calendário político capaz de influenciar os investidores tem o foco nas eleições europeias de maio próximo. O focus central será a evolução da taxa de juro diretora, sendo que “subida de taxa pelo BCE é sinal de que temos boas notícias”. Mas os últimos seis meses foram marcados pelas tensões comerciais e fica-se se, saber qual a posição do Governo americano em face da Europa. Carlos Almeida considera que a palavra mais importante de 2019 será “desaceleração da economia, embora os indicadores não apontem para uma recessão”. E recorda que em junho próximo os EUA irá completar 10 anos consecutivos de crescimento da atividade económica. E embora estejamos numa fase desaceleração “este é um ciclo económico que se pode prolongar. A volatilidade estará presente nos mercados, mas tudo irá depender da capacidade de reação dos bancos centrais.

Aposta no “value” e menos no “growth”

Com o mercado a crescer muito mais a nível de componente tecnológico que tipo de ações devem merecer a aposta dos investidores? A resposta de Carlos Almeida vai para o tema do “value” em detrimento da componente “growth” e em que o mercado consegue absorver a componente das empresas disruptivas. Este é um tema que significa mais na Europa do que nos EUA.

A ideia é partilhada por Tedder e Webber da Schroders ao afirmarem em nota que “o atual período de mudança disruptiva em muitos setores apresenta oportunidades de investimento significativas” e adiantam que “continua ser fundamental para as empresas e para os investidores garantir que estão do lado certo da disrupção. Concentramo-nos em identificar as empresas que estão dispostas a investir a longo prazo, que estão preparadas para a mudança e que podem criar crescimento sustentável a partir dos seus modelos de negócio”.

E dão alguns exemplos como sejam empresas que procuram a viragem das fontes de energia fósseis para renováveis, sendo que as tecnologias das energias alternativas são cada vez mais competitivas. E a indústria que que está a promover melhor essa transformação é o automóvel com a eletrificação. Concluem a análise com a recomendação de que se deve procurar empresas que “possam participar neste crescimento de longo prazo, evitando as partes mais competitivas destas indústrias e empresas que não oferecem um serviço diferenciado”. Os títulos ligados aos bens de consumo e tecnológicas são outra hipótese, Justificam a opção com a “conjuntura competitiva no consumo de conteúdos e multimédia (que) está a mudar rapidamente, tornando-se uma fonte rica em oportunidades, particularmente nas redes sociais, música e jogos”.

Na análise do Best há uma referência às oportunidades “em alguma componente especial relativamente às ações dos mercados emergentes. Diz Carlos Almeida que “foram muito castigadas em 2018, especialmente a meio do ano”, e ainda que a oportunidade pode estar num “ajuste rápido a um movimento menos agressivo da FED, o que pode ser um bom contexto para os mercados emergentes em geral”. E conclui que a única classe de ativos em que o Best está overweight (maior exposição) é em obrigações de mercados emergentes, a par da liquidez. Globalmente com as avaliações a penalizar alguns destes títulos dos emergentes e um dólar que se antecipa venha a ficar mais fraco, acabam por ser uma oportunidade.

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