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Banqueiros defendem inflação nos 2% e querem que BCE mantenha a compra de ativos

Partindo de uma apresentação do professor Manuel Rodrigues, do King’s College, onde defende que a política monetária não deve ser revertida para não comprometer o aumento da oferta, os CEOs da CGD, BCP e Novobanco e o administrador BPI discutiram a inflação, os juros negativos e alertaram para o impacto futuro dos testes de stress climáticos no financiamento à economia.
5 Novembro 2021, 14h06

Os banqueiros – Miguel Maya, presidente do BCP;  António Ramalho, presidente do Novobanco; Paulo Macedo, presidente da CGD e Francisco Barbeira, administrador do BPI – reunidos à mesa da Money Conference, organizada pelo Dinheiro Vivo/DN/TSF em parceria com a EY, Sage e Iberinform, discutiram, entre outros temas, a dicotomia política monetária/inflação.

Tendo por ponto de partida a ideia de que 2022 será o ano em que a banca vai estar à prova, depois do fim de todos os apoios à economia, e tendo em conta uma eventual alteração da política monetária do BCE e a eventual subida das taxas de juro, Miguel Maya defendeu que é bom para as empresas que a taxa de inflação se aproximasse dos 2%. O CEO do Millennium BCP considera também que “é importante que um dos pilares da política monetária, a compra de ativos é muito importante que se mantenha. É uma forma de mutualização da dívida sem lhe chamarmos assim”, defendeu.

O CEO do BCP lembrou que “as taxas de juro negativas não chegam às empresas”, pelo que “defendo que as taxas de juro subam a convergir para o zero”, considera Miguel Maya.

Também António Ramalho, CEO do Novobanco, considera que é compatível uma política monetária agressiva com alguma inflação. “Eu julgo que a política monetária, como está definida e com algum quadro específico, poderá permitir um nível de inflação à volta dos 2%”, disse lembrando que não é impossível que a partir de 2024/2025 haja subida de juros.

“A banca é fortemente afectada pelas taxas de juros negativas porque cria disrupções na gestão dos balanços”, defendeu também o banqueiro, falando da lei portuguesa que obriga os bancos a ter taxas de juro negativa no crédito à habitação.

Citando a presidente do BCE, Christine Lagarde, que por sua vez citou Fernando Pessoa, António Ramalho lembrou que “as crises que se evitam, criam mais feridas, dos que as que decorrem de batalhas que se realizam”. “A verdade é que a política monetária que tem sido defendida mantém-se razoavelmente estável do ponto de vista daquilo que são os objetivos centrais”, disse o CEO do Novobanco. Mas há alguns sinais de alerta que vêm dos outros bancos centrais, nomeadamente dos Estados Unidos, que poderá trazer mudanças na política monetária da Europa, reconheceu o banqueiro que defende que era bom que isso não acontecesse antes de termos uma visibilidade maior sobre o risco da mudança de consumo.

António Ramalho retomou a importância da separação do risco bancário do risco soberano. O banqueiro diz que com “duas medidas simples e uma terceira que se espera que venha a surgir esta crise trouxe esta separação”. Uma medida simples que foi assumir uma política monetária agressiva ao mesmo tempo para todos os países e uma segunda que foi mutualização quase imediata de um conjunto de dívidas. “Se juntarmos a isto um terceiro elemento que é um Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, vamos conseguir essa separação entre o risco bancário e soberano, que eu considero muito importante para garantir que a proximidade da banca regional à escala europeia se venha a verificar, porque queremos continuar a financiar as PMEs portuguesas”, disse Ramalho.

Francisco Barbeiro, do BPI, defendeu por outro lado a importância de Portugal manter o rigor orçamental e uma gestão prudente da dívida pública, para conter os custos do financiamento à economia.

“Se queremos ter uma banca forte temos de olhar para a rentabilidade que não está em níveis adequados para remunerar o capital, que duplicou nos últimos anos”, disse o administrador do BPI.

O presidente do Millennium BCP considera que um dos grandes desafios no horizonte são os impactos dos requisitos ESG (environmental, social and corporate governance) no financiamento às empresas..

“Quando forem feitos os testes stress climáticos na banca, no próximo ano, quem vai ser afetado são as empresas portuguesas”, disse Miguel Maya que considerou “mirabolante aquela ideia de que há separação entre o risco soberano e o risco bancário. É ficção porque se a economia não estiver bem os bancos não estão bem”.

“Não faz sentido os bancos, para minimizarem o risco, irem emprestar para o estrangeiro, é preciso apoiar as empresas e os empresários portugueses. Se fizermos apenas a proteção dos stress testes, então os bancos só vão emprestar onde não há riscos físicos”, alertou.

Para os bancos ficarem em Portugal têm de ter condições competitivas, disse ainda o CEO do BCP, na mesma linha do que já tinha defendido o presidente da APB, Vítor Bento.

“O sistema bancário não tem condições de level playing field, basta ver que o BCP teve 60 milhões de euros de resultados e pagámos 60 milhões para alimentar o Fundo de Resolução nacional, o imposto especial sobre a banca e o adicional de solidariedade”, disse mais uma vez Miguel Maya.

Sobre esse tema da fatura paga ao Estado e Fundo de Resolução, o CEO da Caixa Geral de Depósitos, que também se queixa desse custo anual, defende que é preciso alterar mas não acredita que os impostos especiais cobrados à banca vão desaparecer tão cedo, “enquanto estivermos neste contexto de incerteza”.

Sobre os desafios do próximo ano Paulo Macedo lembra que a banca teve resultados negativos em Portugal nos últimos 10 anos. “Os lucros da banca hoje são inferiores aos lucros de há 14 anos com o dobro do capital”, disse o CEO da CGD que frisou que “os bancos têm rentabilidades mínimas que não paga qualquer custo de capital”.

O presidente da Caixa lembrou a importância de um programa de capitalização das empresas que foi anunciado há oito anos. “Esse Programa Capitalizar é que vale a pena passar à prática”, disse Paulo Macedo.

Em resposta à apresentação que o precedeu o painel, feita pelo professor Manuel Rodrigues, Miguel Maya respondeu ao tema das diferenças que existem entre as taxas de juros que os bancos praticam às empresas e particulares portuguesas versus os juros praticados nos outros países da zona euro. “Eu não acho que seja a Sistema Europeu de Garantia de Depósitos que vai resolver, porque o problema reside na qualidade de risco das empresas portuguesas e o que temos de fazer é garantir que as empresas e os empresários portugueses têm condições e custos de contexto competitivos, para terem capacidade de competir à escala global”, defendeu o CEO do Millennium BCP.

Manuel Rodrigues tinha dito, na sua apresentação que “é urgente fazer progressos na União Bancária para limitar a discriminação geográfica dos custos de financiamento na União Europeia” e “é urgente concluir o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos”, defendeu Manuel Rodrigues Docente no King’s College London e Conferencista na AESE Business School, que falou na 5ª edição da Money Conference ‘ Banca 2022-Testar, Personalizar e Crescer’, organizada pelo DV/DN/TSF em parceria com a EY, Sage e Iberinform.

O professor em Financial Management Education do King’s College London defende que o aprofundamento da União Bancária em conjunto com a União de mercado de capitais irá promover maior estabilidade e integração do Sistema Financeiro da União Europeia.

Miguel Maya lembrou que o modelo de negócio da banca alterou-se e é preciso adaptar as instituições. Para os bancos serem competitivos “a eficiência é fundamental”.

“Quando eu vejo as notícias de que as empresas estão proibidas de contactar trabalhadores fora do horário laboral [referindo-se às recentes alterações ao Código do Trabalho] fico estupefacto, isto é um incentivo ao investimento na automação e robotização, porque a flexibilidade de gerir o trabalho com as pessoas fica fortemente comprometida”, disse o CEO do BCP.

Crise política vista pelos banqueiros

Sobre a crise política e as eleições já marcadas para 30 de janeiro, o presidente do BCP disse que “preservo muito a estabilidade. Mas se me perguntar se prefiro estabilidade ou vitalidade, prefiro vitalidade e essa exige mudança. É preciso que as coisas sejam permanentemente questionadas”. Miguel Maya defende assim a decisão do Presidente da República.

Já Paulo Macedo presidente do banco do Estado, não quis comentar a crise política, mas defendeu que Portugal precisa de fazer reformas e precisa de capacidade de transformação. A dificuldade de aprovar leis, foi realçada pelo banqueiro com um obstáculo à transformação.

“Estou à espera no entanto que haja imensas coisas que não parem, quer o PRR, quer a transformação digital, os compromissos ambientais, o plano contra a corrupção”, disse Paulo Macedo. O ministro das Finanças já garantiu que o Plano de Recuperação e Resiliência não ficará parado com a atual crise política.

“A democracia tem os seus mecanismos de rejuvenescimento, portanto nada fica na mesma, mesmo que os resultados eleitorais sejam exatamente os mesmos”, disse por sua vez António Ramalho.

“Vamos ter um plano de forte investimento público e privado”, lembrou o presidente do Novobanco que invocou a importância de corrigir a subcapitalização das empresas, nomeadamente das PME.

As prioridades do PRR são definidas a nível europeu, traduzem um desígnio europeu, o que é positivo para o país desde que saibamos aproveitar esse desígnio, defende o CEO do banco que tem como acionista minoritário o Fundo de Resolução.

Francisco Barbeiro, do BPI, defendeu que era importante uma solução de estabilidade política que garantisse a execução do “plano que temos pela frente”. Não vendo por isso um problema na existência de eleições antecipadas.

Fundamental nesta altura é executar bem o Plano de Recuperação e Resiliência, no sentido de ser canalizado para criar riqueza e criar emprego e transformar o país, defendeu o administrador do BPI.

“É preciso baixar os custos de contexto”, defendeu ainda o administrador do banco liderado por João Pedro Oliveira e Costa.

 

Previsão de crescimento de 5% do PIB em 2022 pelo Governo. Optimista ou realista?

Miguel Maya, do BCP, subscreve o optimismo do Governo no crescimento do PIB acima de 5% em 2022. A banca terá um papel na implementação desse PRR, nomeadamente no apoio às empresas. “A CGD está a dar um grande foco ao PRR”, revelou Paulo Macedo que se mostrou preocupado com a execução desse plano.

“Há razões para estar positivo, apesar da incerteza” provocada pela crise da matérias-primas, da energia e de fornecimento, defendeu o CEO da Caixa que citou o professor Manuel Rodrigues quando abordou o excesso de dívida global, mas a dívida privada caiu e está ao nível da Europa, a dívida pública é que disparou.

Por sua vez, o presidente do BCP, Miguel Maya, só vê a recuperação económica em termos consistentes a partir de 2023.

Já o presidente do Novobanco, lembrou que os economistas estão a adoptar a técnica da banca de ser prudentes nas previsões, para que haja constantes revisões em alta. “É uma gestão de expectativas” feita pelos institutos públicos.

Francisco Barbeiro disse que a perspetiva de crescimento de 5% da economia é “prudentemente optimista”, e lembrou que a pandemia ainda não acabou e que não se conhece o impacto económico da pandemia. “Como é que várias indústrias vão ficar pós-pandemia, e como ser alterado os padrões de consumo? Como será o futuro do trabalho? A pandemia veio destruir alguns dogmas relativos à importância do espaço físico no trabalho. Isso será um desafio para as empresas porque as pessoas podem ser contratadas por empresas estrangeiras para trabalhar a partir de casa em Portugal. Isso vai ser cada vez mais um desafio para as empresas portuguesas reterem talento, em algumas áreas como gestão do risco e tecnologias”. Por isso o administrador do BPI defende que “as politicas de emprego em Portugal não podem estar desalinhadas dos outros países”.

Sobre os desafios futuros, a avaliação climática é um dos riscos futuro do tecido empresarial, referiu António Ramalho. “Vamos ter crescimentos mais baixo quando a entrar numa situação normal”, lembrou ainda o presidente do Novobanco.

Sobre o banco que dirige, o CEO disse que “é muito importante o ano de 2021 para o Novobanco, mas o crescimento é de 2022 em diante”. António Ramalho defendeu que a sua prioridade é a criação de valor para os acionistas do banco, incluindo o Fundo de Resolução.

O banqueiro que está no sector há 25 anos, defendeu ainda que os bancos de segunda linha deviam passar por fusões, para que os seus modelos de negócios sejam sustentáveis.

Manuel Rodrigues alerta para aumento do prémio de risco da dívida soberana com tapering da Fed

O volume de crédito que estiveram em moratória (19,2 mil milhões de euros) representou quase metade do capital próprio do sistema bancário nacional, realçou o economista que lembrou que 51% do capital próprio dos Sistema Bancário Nacional.

Manuel Rodrigues alertou para os riscos de estabilidade financeira decorrente do alargamento das yields (entre Estados Unidos e União Europeia). Com o tapering iniciado pela Fed (fim gradual dos estímulos monetários) “será inevitável que o prémio de risco aumente”.

O economista considera que subir os juros não ajudará a atual crise das matérias-primas e consequente aumento da inflação, porque vai prejudicar o investimento e é preciso promover o investimento para aumentar a capacidade produtiva que incremente a oferta.

Manuel Rodrigues defende que não deve ser revertida a política monetária porque a reversão pode representar um risco para o mercado de dívida soberana dos países periféricos e para a recuperação económica, com um aumento da restritividade das condições de financiamento das famílias e empresas.

“Mitigar o aumento da inflação passa por investir no reforço das cadeias logísticas globais, diversificar a cadeia de oferta e apostar em políticas que normalizem o mercado de trabalho, reforçando o investimento em infraestrutura logística e completando os acordos comerciais em curso [com a China, que entretanto foi congelado pela UE]”, defendeu o professor do King’s College.

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