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Brett King: “A banca mudou mais nos últimos dez anos do que nos 500 anos anteriores”

O “padrinho das FinTech” veio a Lisboa falar sobre a banca do futuro. “Quem criou o maior depósito da história não foi um banco, foi a Alipay, que chegou a ter 300 mil milhões de dólares em depósitos”. Para o futurologista da banca, os bancos tradicionais têm de deixar de replicar os serviços financeiros no ‘mobile’ e passar a “pensar tudo do zero”.
  • Brett King
24 Maio 2019, 16h43

A partir o surgimento do smartphone, introduzido em 2007 pelo fundador da Apple, Steve Jobs, a inovação tecnológica entrou no mundo da banca como nunca antes, alterando o paradigma tradicional do sistema bancário que os consumidores conhecem. Em pouco mais de uma década, a disrupção na indústria bancária foi muito mais saliente do que nos cerca de 500 anos anteriores ao iPhone.

O primeiro banco da história foi criado na cidade italiana de Siena, em 1472. A palavra “banco”, referente às instituições bancárias, vem dessa época do Renascimento. Os mercantes sentavam-se em bancos onde trocavam divisas.

Até à introdução do primeiro sistema tecnológico, em 1980 – o ERMA, Electronic Recording Machine Accounting – “a banca não mudou muito”, explicou Brett King, na conferência “Portugal: from here to where”, promovida pelo Jornal Económico e da qual o Jornal Económico é media partner. Era a era conhecida como “bank 1.0”.

Brett King, futurista, autor reputado de livros sobre a tecnologia financeira e conhecido como o “padrinho das FinTech”, revelou que foi por causa da criação do ERMA que ainda hoje em dia se utilizam números de contas, associadas a clientes – o sistema tecnológico só conseguia ler números.

Anos mais tarde, em 2017, já depois da migração dos tradicionais serviços bancários para o mobilie, chegámos à era da “banca 4.0”, onde estamos agora. “Estamos a repensar a indústria bancária”, explicou Brett King.

Chegámos a uma fase de ‘virar a página’ em que replicar os tradicionais serviços bancários se tornará numa coisa do passado. Semelhante às tecnologias que mais alteraram os paradigmas – como o automóvel ou o smarphone – a “banca 4.0” está a “desenhar os serviços bancários do zero, em vez de os replicar para o digital”, salientou.

A grande característica desta nova forma de se fazer banca assenta na “inclusão financeira”, explicou. “No Quénia, depois do surgimento da M-Pesa (uma conta bancária no smartphone), 98% dos locais têm contas bancárias”, revelou o futurista da banca.

Se no mundo ocidental – Estados Unidos e Europa – se assistem, a espaços, a inovações financeiras que de facto quebram o paradigma com a banca tradicional, como os casos dos neobancos Revolut ou N26, a verdade é que “estamos literalmente dez anos atrás da China”, nomeadamente no domínio da tecnologia de pagamentos. “Porque os chineses desenharam estes serviços do zero”, frisou Brett King. “Lá, só usamos a nossa face para pagar”.

“No último dia dos solteiros (o equivalente à black friday na China), foram gastos 31 mil milhões de dólares num só dia e 60% foi através de pagamentos baseados em pagamentos biométricos” como o reconhecimento facial, revelou o “padrinho das FinTech”.

“A Tencent (gigante tecnológica chinesa) fundou o Webank e agora tem cerca de 100 milhões de clientes – o Webank tem apenas quatro anos de vida e não tem balcões”, salientou Brett King.

O poderio da tecnologia em se afirmar num mundo tipicamente fechado, como o da banca, está a afirmar-se rapidamente. Porquê? Por causa da escala que um modelo de base tecnológica permite. Brett King relembrou um vídeo no qual o fundador da Alibaba, Jack Ma, disse que em poucos anos iria ultrapassar a Walmart em volume de vendas. O visionário chinês, na ocasião, referiu “enquanto tu [Walmart] precisas de mais armazéns, mais inventário, eu preciso de dois servidores”.

Foi desta forma que a Antz Financial, o braço bancário da Alibaba, criou aquele é “o mais bem sucedido depósito alguma vez criado”, ao lado do Alipay, revelou Brett King. “O Yu E Bao (o depósito da Alipay) nos seus tempos áureos chegou a ter 300 mil milhões de dólares em depósitos e um terço da população chinesa tem lá as suas poupanças”, disse.

O que explica esta transição do consumidor chinês para as financeiras tecnológicas em detrimento dos bancos tradicionais prende-se com o facto de estas novas empresas que prestam serviços financeiros oferecem “experiências de poupança e são comportamentais”, frisou Brett King.

“E são essas experiências de poupança que são o resultado do lançamento do serviço a partir do zero”, referiu.

Estas experiências de poupança vão alterar a forma como os clientes e os bancos se relacionam, especialmente ao nível do aconselhamento financeiro. Isto porque, através da inteligência artificial e do machine learning, os suportes tecnológicos dos novos serviços financeiros vão conseguir angariar e analisar muito mais dados do que um bancário a trabalhar num balcão.

Além disso, as app financeiras vão poder responder-nos, em tempo real, a certas perguntas tão simples como “tenho dinheiro para ir jantar hoje?” ou “quando é que vou poder comprar uma casa ou um iPhone” – “tudo coisas que os nossos conselheiros financeiros deveriam poder responder”, adiantou o “padrinho das FinTech”.

“Atualmente, os bancos estão desenhados para nos venderem uma hipoteca, ou vendem-nos cartões de crédito que nos dão prémios quanto mais dinheiro gastar-mos”, disse Brett King. “Não deveria ser a primeira função de um banco ajudar-nos a poupar?”, questionou Brett King a plateia que o ouvia no auditório nº2 da Gulbenkian.

Querendo antecipar o futuro, Brett King salientou convictamente que “no futuro, o maior banco será uma empresa tecnológica”.

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