[weglot_switcher]

E quando a crise bate à porta de um clube?

Rui Lança, docente da Universidade Europeia, analisou a atual crise do Sporting CP e estranha que não exista qualquer demonstração pública de desagrado por parte dos patrocinadores.
16 Maio 2018, 08h30

Unidade, alinhamento, mensagens concretas e concisas: estas são as regras da gestão de crise e que devem ser seguidas, sobretudo numa época de tanta partilha de informação ao nível das redes sociais. O Jornal Económico ouviu Rui Lança, professor da Universidade Europeia, que deu o exemplo do Sporting CP como manual de regras que não devem ser seguidas em momentos de convulsão interna.

Ao nível da gestão de crise em instituições desportivas, que especificidades reúnem a gestão deste tipo de situações em instituições com estas características, tendo em conta que as mesmas mexem com a paixão de adeptos?

Uma das grandes especificidades desta indústria é a vertente emocional e a enorme relação com o resultado e a volatilidade dos possíveis resultados. Esta crise e a sua grande especificidade é que a mesma acontece quando a instituição Sporting CP tem hipóteses de conquistar títulos, mesmo que uns sejam mais exequíveis do que outros. E tendo conquistado já um título em janeiro, com maior ou menor mérito. Poucas indústrias estão tão dependentes de resultados como neste caso, em que acontecem jogos quase de três em três dias, com jogos a meio da semana constantemente. Neste caso existe aqui um triângulo que se resume à estrutura que tem sido basicamente a figura do seu presidente, os resultados e por último, o aparecimento dos jogadores como fator bastante interventivo fora do campo. Sendo que a crise neste caso específico não advém da falta de resultados, até por que o grande momento desta situação de confronto por parte do presidente Bruno de Carvalho acontece quando o clube era líder no campeonato nacional.

Tendo em conta que neste tipo de situações lida-se com as emoções de atletas, sócios e adeptos, de que forma deve-se lidar com todos estes ‘atores’ de forma a conter, ‘dentro de portas’, a situação de crise?

A principal receita era que todas essas emoções e opiniões distintas fossem retidas internamente, tratadas nos canais específicos. Sente-se a falta de alguém que possa substituir o presidente, porque quando tudo recai nele, a sua figura, goste-se ou não, perde o impacto diferenciador que poderia ter em algumas situações específicas. Os clubes já tinham os jornais e nos últimos tempos foram criando os seus canais de TV e sítios próprios na internet de modo a difundir as suas mensagens de modo mais alinhado. Mas no caso do Sporting, uma das características desta presidência tem sido o debate constantemente externo dos assuntos internos. Em que o sentido comunicacional é quase que única e exclusivamente unidirecional. Em que o Presidente faz questão de comunicar à sociedade o que vai fazendo de bem. Percebe-se o intuito, mas causa um desgaste em termos da comunicação e da mensagem.

Como podem atletas e equipa técnica ajudar uma instituição a garantir que a situação seja normalizada?

Se utilizarmos o caso atual do Sporting CP, penso que os atletas e o treinador foram até um determinado momento muito coniventes com a comunicação muito centralizadora por parte da sua direção. Em termos gerais, os atletas e a equipa técnica podem ajudar estando alinhados. Mas o grande problema é se não estão de acordo com estas situações, mas por uma questão contratual ou outro tipo de obrigação, têm de acatar as constantes ordens e vão acumulando situações pouco confortáveis. Chega a uma determinada situação e a falta de diálogo bidirecional pode criar estas situações de desgaste e perderem completamente a paciência para determinadas situações. E nunca nos podemos esquecer que em redor do treinador e dos atletas vivem muitos outros agentes desportivos.

Ao nível da gestão para com as marcas e patrocinadores, de que forma deve uma instituição em crise garantir que os ‘cenários’ que estão a denegrir a instituição não vão influenciar a imagem da marca?

Não se consegue separar as ‘águas’. Podem diminuir os impactos como vão fazendo com comunicados, campanhas, mas não conseguem nunca defender a 100% a relação entre as duas partes. Veja-se o apelo de não lerem ou verem outros canais da imprensa ou da TV. Sendo a NOS um dos grandes patrocinadores do clube e da competição principal, penso mesmo que só num país com estas caraterísticas é que não se viu nenhuma demonstração pública de desagrado por parte das empresas e patrocinadores. E se pensarmos que estas demonstrações por parte do clube vão sendo constantes, não me parece sequer que este tema esteja a ser uma preocupação para o atual presidente.

Relativamente à comunicação com os ‘media’, e em cenários destes, recomenda-se que haja mais comunicações ou uma contenção da mesma? E que papel têm as redes sociais nesta matéria?

Recomenda-se as regras da gestão de crise: unidade, alinhamento, mensagens concretas e concisas. Um pouco como a conferência de imprensa de Jorge Jesus no sábado. Rápida, pouco conteúdo, respostas simples e poucos pontos para pegar. As redes sociais são um enorme desafio, sendo na minha opinião nestas situações, mais um fator de risco do que de possível ajuda. A partir do momento em que se usa e abusa desta ferramenta comunicacional e tendo ela regras próprias de potencialização, podemos perder o impacto que as palavras têm porque existe naturalmente um hiato entre o que se pretende passar e o que chega de facto ao recetor.

(artigo publicado originalmente na edição em papel de 13 de abril de 2018 do Jornal Económico)

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.