[weglot_switcher]

“Especialistas da Finlândia vão fazer levantamento da biomassa existente”

Portugal terá um mapa com todos os locais onde poderão ser instaladas centrais a biomassa. Há 320 milhões de euros para apoiar investimentos.
15 Junho 2019, 19h00

João Galamba explica como é que o Governo vai promover novas fontes de energia renováveis florestais. Em entrevista ao Jornal Económico, o secretário de Estado da Energia detalha como será a estratégia do Estado para fomentar os projetos da biomassa; como serão desenvolvidas as energias renováveis nos próximos anos; e como será feita a “reconversão” das centrais termoelétricas a carvão.

O Governo efetuou alterações legislativas relacionadas com a utilização da biomassa no sector da energia. De que forma é que o Estado pretende agilizar o setor da biomassa?

A nossa grande preocupação foi desenvolver uma visão integrada do sector das florestas e abordar a questão da valorização energética da biomassa florestal, que não esgota a valorização energética da biomassa – nem inclui a biomassa de resíduos de suiniculturas, ou de explorações agrícolas de outra natureza. Aqui, só estamos a falar da biomassa florestal. O nosso objetivo foi reafirmar a importância da valorização energética desta biomassa, garantindo que essa valorização acautela dois princípios: primeiro, a sustentabilidade da gestão da floresta e dos usos alternativos da biomassa, porque vamos privilegiar projetos que consigam demonstrar de forma cabal e objetiva circuitos de recolha e transporte de biomassa de base local, sustentáveis. Esse é o primeiro princípio que queremos afirmar.

Serão sempre projetos autárquicos?

Serão projetos de iniciativa municipal ou intermunicipal. Ou de agregações de municípios que se juntem por qualquer razão – não tem de ser pelo formalismo do concelho ou da comunidade intermunicipal. Podem vir de um conjunto de concelhos que se agreguem porque têm uma floresta semelhante.

O segundo ponto é – dado que a Comissão Europeia nos autorizou uma verba de 320 milhões de euros, durante 15 anos, o que dá cerca de 20 milhões de euros por ano para o apoio destes projetos – certificar que esse apoio será dado apenas e só a projetos que garantissem a eficiência energética. Ou seja, as centrais dedicadas para produção de eletricidade têm um nível de eficiência muito baixo – em torno dos 25 por cento e portanto não são a maneira mais eficiente de dar uso a este recurso florestal escasso. A nossa opção é a de garantir que os projetos que são aprovados, além de satisfazerem o requisito de recolherem e limparem as florestas a nível local, são também as soluções que do ponto de vista energético fazem sentido, com a eficiência do recurso utilizado acima de 80 por cento. A alteração legislativa que estamos a fazer agora é para circunscrever a isto os projetos apresentados, garantindo que damos prioridade à cogeração e trigeração, exatamente porque são as soluções técnicas que garantem a maior eficiência energética do recurso da biomassa.

Nesse caso não são para produzir eletricidade…

…dedicada. Ou seja: produção de eletricidade sim, desde que o aproveitamento da energia térmica associada a essa produção seja totalmente aproveitável. Isto é, no decreto-lei anterior o que estava definido é que a dimensão da central era decidida em função da tarifa de produção elétrica. Como a tarifa de produção elétrica é bonificada, o que estas centrais quereriam era terem a maior dimensão e capacidade possíveis, para ganharem o máximo de tarifa possível. Agora, nós invertemos esta situação: o dimensionamento da central será aquele que o consumo comprovado de energia térmica justificar e, portanto, se for 1 MW, 2 MW, 5 MW, ou o que for, só será aquilo que conseguirem justificar em termos de utilização térmica. Portanto, a dimensão da produção elétrica é aquela que resultar desse dimensionamento – como há um rácio entre a energia térmica e a energia elétrica – de 1,4 a 1,6, para 1MW de energia elétrica – a central será dimensionada para esse potencial de energia térmica e a dimensão da parte elétrica é a que resultar dessa primeira restrição.

Assim, o que é que garantem?

Garantimos que os projetos que são apresentados fazem sentido do ponto de vista da utilização do recurso e do ponto de vista energético. E só aprovamos projetos com dimensão plenamente justificada por estas duas condições. Se estiverem justificadas pela disponibilidade do recurso e pela eficiência energética, estamos disponíveis a apoiar esses projetos. Mas têm de satisfazer estas duas condições. Esta é a principal alteração da mudança legislativa que estamos agora a fazer.

Há possibilidade de criar centrais térmicas exclusivamente destinadas a proporcionar o aquecimento de pequenas comunidades? Serão uma espécie de aquecimentos centrais gigantes…

Sim. A novidade, no fundo, é que a estratégia para a biomassa terá três componentes. A primeira componente é um estudo aprofundado, em articulação com a Finlândia, que tem grande experiência na gestão da floresta e no aproveitamento da biomassa. Este projeto será coordenado por Tiago Oliveira, com participação da Direção-Geral de Energia e Geologia – DGEG. Vão fazer um levantamento exaustivo dos recursos de biomassa existentes, do tipo de biomassa existente e da durabilidade de fornecimento da biomassa. Terá localizações geográficas precisas.

Para que servirá esse estudo?

Será um instrumento fundamental para o Estado quando receber os projetos que preencham os critérios de elegibilidade. Assim, terá uma ferramenta que lhe permite hierarquizar opções, para dizer se uma central a biomassa deve ser aqui ou ali. Precisamos deste estudo para poder escolher os projetos e avaliá-los. A segunda componente é a de definir projetos eficientes, com disponibilidade de recurso comprovada e com aproveitamento térmico demonstrado de unidades de consumo térmico existentes ou a existir. Podemos estar a falar do parque industrial plenamente instalado ou do um parque industrial a instalar. Objetivo: quem apresenta o projeto de um determinado tamanho tem de comprovar que consegue arranjar – daqui a um ano, daqui a seis meses, ou já hoje -, unidades industriais, ou outras, que garantam o escoamento daquela energia térmica. Isso permite localizar e dimensionar o projeto. A terceira componente, é a de produção elétrica, que é aquela que é paga, que é bonificada, será a que resultar destes dois critérios. Definida a dimensão e a localização, também definimos quanta eletricidade é que a unidade vai produzir, mas condicionada às outras duas dimensões e é isso que nós iremos aprovar. A ideia aqui é termos maior coerência, maior sustentabilidade e também instrumentos para a parte da administração pública poder avaliar, hierarquizar e escolher os projetos que são elegíveis para este apoio.

E para modernizar equipamentos?

Para além do decreto-lei que apoia as centrais, criaremos também um programa de iniciativa municipal, ou intermunicipal, coordenado pela Secretaria de Estado dos Assuntos Locais para substituição de equipamentos que hoje usam energias fósseis, mudando-os para a biomassa. Acrescentámos isto porque estes equipamentos não carecem de licenciamento da DGEG – note-se que o decreto-lei é sobre centrais licenciadas pela DGEG. Na nossa ótica, a valorização da biomassa florestal passa por este duplo caminho: pequenas centrais com as restrições que referi; mas também passa por apoiar os municípios que queiram, por exemplo, substituir uma caldeira que hoje aquece uma piscina – a gás natural ou a fuel -, para substituí-la por biomassa. Simultaneamente, teremos um programa municipal ou intermunicipal de substituição de equipamentos, com apoios a esse investimento, articulado entre a Secretaria de Estado da Energia e a Secretaria de Estado dos Assuntos Locais.

Não é contraditório promover a queima de biomassa, que gera emissões poluentes?

Não. Também está no decreto-lei que devem ser adotadas soluções com eficiência energética elevada e mecanismos de redução de emissões para garantir que a queima de biomassa é feita no escrupuloso cumprimento dos objetivos do PNEC energéticos e climáticos, porque há objetivos no PNEC de eficiência energética e promoção de renováveis, mas também de redução de emissões. Essa preocupação está acautelada.

Como será feita a ‘reconversão’ das centrais térmicas a carvão em centrais a biomassa?

Como já disse o senhor ministro do Ambiente, não existirá carvão no Pego depois de 2021, que é quando acaba o Contrato de Aquisição de Energia (CAE), portanto não haverá mais carvão na central. Nós antecipamos de uma forma significativa a data que tínhamos referido no PNEC, do fecho do carvão até 2030 e dissemos que seria tanto mais cedo quanto possível. Temos a garantia que a Central do Pego a carvão encerrará em 2021 e o que cabe ao Estado é enunciar quais são os princípios que devem ser assegurados nesse encerramento. Terá de ter como contrapartidas a criação de alternativas, que garantam a segurança do abastecimento e que o impacto sobre a rede elétrica nacional é mitigado ou nulo, decorrente do encerramento do carvão. O Governo português compromete-se a iniciar um plano para selecionar projetos em 2020, sendo este Governo ou outro Governo, com um leilão para que a Central do Pego possa ser encerrada.

Qual é o objetivo do leilão?

A Central do Pego tem um conjunto de implicações para o sistema elétrico nacional que têm de ser compensadas ou mitigadas. O leilão será sobre isso mesmo. Iremos lançar um leilão com as características que o encerramento do Pego exigirem, para uma solução qualquer – seremos neutros em termos de tecnologias ou soluções técnicas adotadas –, queremos é uma solução de base 100 por cento renovável que permita encerrar o Pego em 2021. Poderá ser uma central de biomassa que funcione nas horas de ponta para colmatar o encerramento da central a carvão; poderá ser um sistema eólico com baterias; ou poderá ser biomassa com eólico e com baterias. Não iremos determinar a solução concreta. A única coisa que determinaremos serão as condições que essa solução tem de assegurar. Depois deixaremos os promotores apresentarem a solução que consideram mais competitiva e o compromisso que terão da parte do Estado é que escolheremos a solução que, por um lado, permita satisfazer requisitos técnicos e, por outro, represente o maior benefício para os consumidores portugueses.

 

Artigo originalmente publicado na edição do Jornal Económico nº 1991 de 31 de maio de 2019

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.