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Ex-administrador da Sonangol queixa-se dos arrestos e diz que não consegue prover subsistência da família

Sarju Raikundalia escreveu uma carta aos órgãos de soberania portugueses, a queixar-se da situação em que foi colocado na sequência dos arrestos efetuados a pedido da PGR de Angola no âmbito do caso Luanda Leaks. Garante que sempre se disponibilizou para esclarecer tudo o que a PGR de Luanda pretendia saber. Diz que as contas dos filhos menores estão bloqueadas e que não tem dinheiro para pagar os encargos de saúde da sua mãe.
22 Março 2020, 16h06

O gestor Sarju Raikundalia, ex-partner da consultora PWC – uma das principais sociedades que coordenaram o projeto de restruturação da petrolífera angolana Sonangol quando a empresa foi presidida por Isabel dos Santos, designado por Projeto Solange –, e ex-administrador da Sonangol, considerado pela PGR de Luanda próximo a Isabel dos Santos, escreveu uma carta – enviada hoje – destinada aos órgãos de soberania portugueses e a membros do Governo, designadamente ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, ao Primeiro Ministro e à ministra da Justiça.

Na missiva, Sarju Raikundalia queixa-se da “desumanidade da Justiça”, diz que tem as suas contas congeladas, tal como o dinheiro depositado em nome dos seus três filhos, referindo que não consegue prover a subsistência da sua família, nem pagar os encargos de saúde da sua mãe. Na carta a que o Jornal Económico (JE) teve acesso, Sarju Raikundalia manifesta o seu “total repúdio e indignação por um conjunto de eventos ocorridos no âmbito dos casos que vêm sendo difundidos pela comunicação social e conhecidos como ‘Luanda Leaks’”. A referida carta seguiu com conhecimento à Conselheira Procuradora-Geral da República e ao Juiz Conselheiro Presidente doConselho Superior da Magistratura.

“No dia 19 de janeiro de 2020 foi transmitido um programa televisivo em Portugal, no qual foi difundido um conjunto de afirmações falsas e inexactas, que põe em causa o meu bom nome, imagem e honra, pessoal e profissional (de repente, parece que em Portugal se tornou normal, aceitável, credível e próprio de um Estado de Direito que um Procurador Geral da República estrangeiro venha a Portugal e se desdobre em entrevistas sobre um caso concreto…)”, refere Sarju Raikundalia na missiva a que o JE teve acesso.

“A falsidade é ostensiva desde logo quando o dito PGR de Angola alegou que eu teria ‘abandonado’ Angola após ocorrência dos alegados factos em novembro de 2017. Tal declaração televisiva, de verdadeira propaganda, motivou que, em 21 de janeiro de 2020, eu lhe tenha dirigido uma carta protestando contra as suas falsas declarações”, adianta o ex-administrador da Sonangol.

“É que, não só desde novembro de 2017 até àquela data havia trocado diversas comunicações com a própria Sonangol EP (estando em causa o incumprimento abusivo pela Sonangol EP das suas obrigações contratuais para comigo) como também desde novembro de 2017 até àquela data havia efectuado várias deslocações a Angola”, refere a missiva.

“Ainda nessa carta de 21.01.2020 demonstrei a minha total disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos que fossem necessários, e, dessa forma, poder contribuir para a descoberta e esclarecimento da Verdade (nomeadamente através das provas documentais em meu poder e que demonstram a falsidade do afirmado pelo PGR de Angola)”, prossegue a missiva, esclarecendo que “nunca a Sonangol E.P. nem o PGR de Angola me solicitaram qualquer esclarecimento seja a que respeito for, nem antes nem depois de 19.01.2020”, refere.

“É patente a má fé subjacente à forma como o PGR de Angola está a conduzir este noticiado processo”, refere a carta de Sarju Raikundalia. “Infelizmente, tais falsidades, a que a imprensa deu eco acrítico, parecem ter sido suficientes para convencer a Procuradoria Geral da República Portuguesa a executar o plano traçado por Angola (desta vez, e inversamente, sem qualquer irritante como noutros casos)”.

“No dia 25.01.2020, incompreensivelmente, deixei de ter acesso ao salário para fazer face às minhas despesas e às da minha família. Adicionalmente, no dia 31.01.2020 deixei de ter acesso a todas e quaisquer contas bancárias minhas, após uma decisão de bloqueio/arresto abusiva, excessiva e injustificada, por parte das autoridades portuguesas (decisão essa que as Autoridades Portuguesas me vêm impedindo de conhecer, de tal forma que nem sei que medida ou que mecanismo jurídico foi utlizado)”, refere a missiva.

Bloqueada Conta Poupança dos filhos

“A atuação da Justiça Portuguesa foi de tal violência que até uma conta bancária aberta para poupança dos meus três filhos menores (com oito, 10 e 14 anos) foi, e continua, bloqueada (tinha um saldo de 1.700,00 euros que são deles)!”, detalha. “Por causa e como consequência dessas medidas/decisões, não tenho qualquer meio de suportar as despesas essenciais à minha subsistência e dos meus filhos ou mesmo da minha mãe, todos eles a meu cargo”, refere Sarju Raikundalia na carta.

Requerimentos sem resposta

“Desde o dia 29.01.2020, enviei requerimentos sucessivos ao Ministério Público e ao Tribunal de Instrução Criminal, os quais nunca tiveram qualquer resposta. De facto, apesar de me ter disponibilizado para contribuir para a descoberta da verdade, nem tão pouco fui notificado para tal no âmbito desses processos que, só para mim, parecem ser secretos (pois a sua tramitação e conteúdo são divulgados na comunicação social)”. “Mas não só, pois apesar de também ter peticionado que fossem autorizados os movimentos por conta dos meus salários depositados nas contas bloqueadas para pagamento, por exemplo, de crédito hipotecário, de alimentos (meus e dos meus filhos), da mensalidade da escola, não obtive qualquer resposta” adianta a carta do ex-administrador da Sonangol.

“Importará reter que nesses requerimentos, e mesmo sem que para tal fosse solicitado, entreguei a documentação demonstrativa da origem legal de todos os rendimentos que obtive desde o ano de 2012 até hoje (são esses os fundos que estão bloqueados ou arrestados) demonstrando a origem dos mesmos, todos eles fruto do meu árduo trabalho, com todos os impostos pagos, seja em Portugal, seja em Angola”, diz Sarju Raikundalia na missiva.

“As referidas e incompreensíveis circunstâncias, impedem-me há mais de 50 dias de fazer face às despesas com as necessidades mais elementares e que integram a própria reserva da dignidade humana, não só minha, mas do meu agregado familiar incluindo as pessoas que tenho a meu cargo” refere Sarju Raikundalia.

“Face a esta atuação da Justiça Portuguesa – de esmagamento e estrangulamento financeiro pessoal – não deixarei de usar todos os mecanismos legais para responsabilizar quem assim violou os meus Direitos Fundamentais. O mesmo farei quanto ao ‘julgamento em praça pública’ que tem vindo a ser feito, em prejuízo da minha honra, o qual é da exclusiva responsabilidade das autoridades portuguesas, posto que nem eu nem os meus advogados tivemos acesso aos processos cuja tramitação é conhecida dos jornalistas”, refere.

“Durante toda a minha vida profissional e pessoal sempre me regi pelos mais altos padrões de integridade e comportamento ético, transparência e profissionalismo. Aliás, em todas as empresas onde prestei os meus serviços fui sempre devidamente reconhecido por esses valores, os quais me permitiram atingir elevados patamares ao longo da minha carreira, baseada totalmente na meritocracia. Inclusive, fui o principal responsável pela criação e implementação de uma Direção de Ética na Sonangol E.P., algo que ninguém em mais de 40 anos de existência daquela empresa tinha tido coragem de fazer”, refere.

“Cumpre finalmente lembrar que infelizmente Portugal e o mundo vivem uma pandemia, pelo que os factos referidos acima impedem-me ainda de estar em quarentena junto da minha família (pois nem fundos para me deslocar tenho) e, por conseguinte, de poder prestar todo o apoio necessário a três filhos menores e à minha Mãe que se insere num grupo de risco. Tal como impede toda a minha família de estar provida dos bens de alimentação essenciais, incluindo a necessária medicação que permita dar cumprimentos às medidas preventivas e recomendações da OMS e da DGS (o respeito pelos direitos fundamentais e os valores da solidariedade humana parecem estar afastados de alguns operadores Judiciários, precisamente, aqueles a quem caberia zelar pela sua protecção)”, detalha ainda Sarju Raikundalia na missiva.

“Sendo português, e desconhecendo até este ano o modo de funcionamento da Justiça, nunca pude imaginar que fosse assim que a Justiça do meu país tratava os seus cidadãos perseguidos por mentiras arquitetadas por forças políticas de um outro país, sem que haja a devida verificação e ceticismo que a situação exige”, comenta Sarju Raikundalia.

“Torno agora público este meu protesto, perante a impotência de um simples cidadão perante a desumanidade com que tenho sido tratado, para alertar as mais altas figuras do Estado e a opinião pública para as injustiças de que estou a ser vítima. Apenas pretendo ser tratado com a dignidade que qualquer pessoa merece num Estado de Direito, e poder repor a verdade e ser tratado com Justiça”, conclui Sarju Raikundalia.

Jornais portugueses referiram disponibilidade do gestor para esclarecer PGR

Na altura em que esta situação foi tornada pública, vários órgãos de comunicação social abordaram o assunto, designadamente, o jornal Expresso que, de acordo com o trabalho do jornalista Rui Gustavo, referiu, a 21 de janeiro de 2020, que Sarju Raikundalia, ex-administrador da Sonangol e um dos portugueses envolvidos no Luanda Leaks tinha escrito uma carta ao Procurador-Geral de Angola manifestando “indignação” por “Pitta Grós ter sugerido que tinha abandonado Angola após a sua exoneração do cargo que ocupava na petrolífera angolana”.

O Expresso referia então que “o gestor garante que foi obrigado a entregar as chaves da casa onde morava e do carro que conduzia quando saiu da Sonangol e que foi informado de que o seu visto de trabalho seria revogado”. “Face às circunstâncias supramencionadas” e às “constantes e fortes ameaças de que eu e a minha família tínhamos sido alvo, achei prudente retirar-me de Angola”, explica Sarju Raikundalia na carta que também enviou ao ICIJ, citada pelo jornal Expresso. Nessa altura, Sarju Raikundalia manifestou “inteira disponibilidade para prestar os esclarecimentos” que o PGR angolano “considere necessários com vista à reposição da verdade”, desde que a sua “proteção” e da sua “família, vida, integridade física e liberdade seja assegurada”.

Maka Angola contestou funções de Sarju Raikundalia na Sonangol

A publicação Maka Angola – dedicada à luta contra a corrupção e à defesa da democracia em Angola, fundada e dirigida pelo jornalista Rafael Marques, de 48 anos, opositor de longa data do regime de Luanda, que a 11 de novembro de 2019 recebeu uma medalha de mérito, atribuída pelo presidente João Lourenço, pela sua participação “pertinente e decisiva para o esforço de construção de Angola” –, referia a 29 de outubro de 2016, num texto sobre Sarju Raikundalia, assinado por Rui Verde, que “este é o nome do homem forte da Sonangol”. Adiantava que Raikundalia, “e Isabel dos Santos formam a dupla que gere as finanças da empresa petrolífera. Os salários não são pagos sem a assinatura de ambos: da princesa Isabel e de Sarju Raikundalia”, referia então a publicação dirigira por Rafael Marques.

O Maka Angola referia que “Sarju Raikundalia foi nomeado como administrador não executivo da empresa (artigo 1.º, alínea k) do Decreto Presidencial n.º 120/16, de 13 de Junho), mas na divisão de pelouros surge com atribuições que permitem inferir que a sua atividade é bastante ‘executiva’. Designadamente, são seus pelouros a direcção de Finanças, a direcção de Planeamento a direcção de Sistemas de Informação, a direcção de Tecnologias de Informação, o gabinete de Relações com o Estado e Fiscalidade, a Unidade de Gestão de Processos e o fundo de Abandono. Ou seja, o núcleo financeiro e informático da empresa está nas suas mãos”, adiantava o Maka Angola, referindo que “esta multiplicidade de funções não se compagina com o cargo de administrador não executivo”.

“Um administrador não executivo é um membro do conselho de uma empresa de administração que não faz parte da equipa executiva. Um administrador não executivo não participa na gestão diária da organização, apenas está envolvido na elaboração de políticas e exercícios de planeamento. Além disso, as responsabilidades dos administradores não executivos incluem a monitorização dos administradores executivos. Portanto, Sarju Raikundalia devia acompanhar, controlar e não gerir”, referia o Maka Angola.

“Esta atribuição de pelouros executivos a Sarju Raikundalia é ilegal, violando directamente a lei angolana. E o mais ridículo é que viola a lei feita propositadamente pelo presidente para permitir o novo modelo de organização e entregar o comando da empresa à filha”, referia a publicação de Rafael Marques.

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