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G3: o trio de bancos centrais e a ‘grande reversão’

Três grandes bancos centrais, três fases distintas da reversão de estímulos. Setembro tem sido fértil em sinais sobre se, como e quando os EUA, a zona euro e o Japão vão remover os estímulos monetários.
  • Joshua Roberts/Reuters
27 Setembro 2017, 07h30

O pioneiro do Quantitative Easing (QE), ou a política monetária não-convencional que consiste principalmente na compra de ativos para fornecer liquidez aos mercados, foi o Banco do Japão em 2001, numa tentativa de combater a deflação.

No entanto, o uso massivo dos instrumentos foi estreado pela Reserva Federal dos Estados Unidos em 2008. Em reação à grave crise e para evitar o colapso do sistema financeiro, o banco central começou a comprar ativos, nomeadamente obrigações soberanas e títulos suportados por crédito imobiliário, e só parou no final de 2014. A folha de balanços tinha atingido os 4,5 biliões de dólares e a Fed optou não a deixar ‘engordar’ mais, comprando somente o suficiente para substituir o valor dos ativos quando estes chegassem à maturidade.

O Banco do Japão, no contexto do Abenomics, programa económico do primeiro-ministro Shinzo Abe, tinha entretanto seguido a deixa da Fed, lançando em abril de 2013 um programa de QE no valor de 1,4 biliões de dólares.

Em março de 2015 foi a vez do Banco Central Europeu (BCE), com o presidente da instituição, Mario Draghi, a anunciar a compra de 60 mil milhões de euros em ativos por mês, para combater a crise das dívidas soberanas da zona euro, fomentar o crescimento e impulsionar a inflação.

Demorou, mas a receita teve efeito e a crise parece estar ultrapassada, com as três economias a registarem crescimento robusto há vários trimestres.

“Hoje a discussão está a dirigir-se para como e quando reduzir o QE. Não há muito em termos de precedentes, mas à medida que os bancos centrais lutam para normalizar as políticas antes de a próxima recessão chegar, a liquidez que injectaram nos mercados financeiros globais deverá atingir um pico e depois começar a cair, provavelmente em 2018”, disse Greg Meier, estrategista de investimento norte-americano na Allianz Global Investors, numa nota de research. “Chamemos-lhe ‘A Grande Reversão’”.

A discussão está em cima da mesa há algum tempo e tem deixado os mercados ansiosos por respostas, mas algumas delas acabaram por surgir nas últimas semanas. Embora o debate seja transversal, não é linear, pois cada economia está numa situação diferente, levando a que os três bancos centrais estejam em fases distintas em relação à inversão do rumo da política monetária.

“Os bancos centrais acompanham três rubricas que mais influenciam as respetivas decisões: desemprego, crescimento económico e inflação. Em algumas regiões, como os EUA, a combinação das duas primeiras dá indicação de que em breve teremos a inflação core junto do target dos bancos centrais (2%). Daí a progressiva mudança na política de estímulos monetários. É a diferente conjugação dos indicadores, com maior predominância de uns sobre outros, que pode justificar a diferença entre políticas”, explica João Pereira Leite, diretor de Investimentos do Banco Carregosa.

Fed à frente

Após ter sinalizado em julho que vai reduzir a folha de balanços, a Fed concretizou o plano esta semana e decidiu que vai iniciar o processo em outubro, removendo um total de 10 mil milhões de dólares no quarto trimestre deste ano.

De forma gradual, o banco central liderado por Janet Yellen vai acelerar a redução até chegar ao valor total de 50 mil milhões de dólares por trimestre daqui a um ano. Além disso, a Fed deixou ainda em aberto a possibilidade de implementar até dezembro mais uma subida na taxa de juro de referência, que seria a terceira do ano.

José Lagarto, head of research da Orey Itrade, salientou que a economia norte-americana foi a que mais rapidamente conseguiu ressurgir da crise financeira, exibindo já uma taxa de desemprego nos 4,4%, perto de pleno emprego, crescimento económico nos 3% e o crescimento dos salários em 2,95%.

“A inflação, apesar de lenta na recuperação, situa-se neste momento a 1,9%, muito perto do objectivo da Fed nos 2%. Estas condições levaram a que a Fed fosse o primeiro dos três grandes bancos centrais a dar início à normalização da política monetária, subindo a sua taxa directora, parando com o programa de compra de activos e agora finalmente a anunciar a redução do seu balanço”, referiu.

Draghi e o tabu

O BCE está alguns passos atrás: continua a comprar dívida e mantém as taxas de juro em mínimos históricos, mas a 7 de setembro Mario Draghi quebrou o tabu – o banco central da zona euro vai, na reunião de 26 de outubro, decidir as alterações à política monetária. Será nessa altura que deverá explicar os detalhes sobre o prolongamento do programa de compra de ativos que está planeado até ao final do ano, mas com uma redução gradual dos montantes, o chamado tapering.

“No caso do BCE, não está tão claro quando terá início o abrandamento da compra de ativos, mas no mais tardar deverá ocorrer em 2018”, vincou João Pereira Leite, do Banco Carregosa.

O cuidado que os comités de política monetária dos três bancos centrais demonstram ao abordar o tema dos estímulos não-convencionais deve-se a dois factores: querem ter a certeza que o ‘remédio’ do QE já atingiu o resultado necessário – especialmente em relação ao impulso à inflação – e querem evitar abalar os mercados.

Japão ‘atrasado’

Nesse sentido, é o Banco do Japão que “está mais ‘atrasado’ na corrida de ‘normalização’ de política monetária”, disse José Lagarto. “O seu principal objectivo será o de atingir os 2% de inflação que continua a estar longe de ser conseguido com a mesma a manter-se nuns meros 0,4%. Isto, em conjunto com um crescimento dos salários negativo (-0,3%), está a fazer com que de momento seja difícil de prever quando este banco central iniciará de alguma forma a redução de estímulos e com isso a normalização da sua política monetária”.

Esta quinta-feira, o banco central liderado pelo governador Haruhiko Kuroda manteve a taxa de juro de referência em -0,1% e anunciou que vai continuar a comprar obrigações do tesouro ao ritmo atual, que visa aumentar o stock detido em 80 biliões de ienes por ano (cerca de 595 mil milhões de euros), com o objetivo de manter a yield da dívida do país a 10 anos em perto de 0%.

A única surpresa foi a opinião dissidente de um novo membro do comité, Goushi Kataoka, que alertou que os efeitos dos estímulos monetários resultantes da atual curva de yields não são suficientes para a meta de inflação ser atingida perto do ano fiscal de 2019.

A sugestão de Kataoka é que o banco central precisa de ajustar os estímulos para atingir a meta mais rapidamente e só depois disso pensar numa normalização.

“Nas atuais condições, não é esperada qualquer alteração na política monetária do Banco do Japão”, referiu José Lagarto.

Influência direta?

Com os três bancos centrais em fases variadas do processo, uma das questões é sobre se as decisões de um deles poderá influenciar as dos outros.

“Não existe uma relação direta, cada banco central acompanha os seus próprios indicadores. De qualquer forma, se a diferença de taxas entre dois países aumentar, então pode haver maior procura pela moeda do país com taxas mais elevadas, o que pode implicar importação de inflação por parte do país com taxas mais baixas, mas isso são fenómenos que acontecem em prazos mais alargados”, explicou João Pereira Leite, do Banco Carregosa. “No curto-prazo, não tem tanta influência”.

Takeshi Minamo, economista-chefe do Norinchukin Research Institute, disse à Bloomberg que “no caso do Japão, a perspetiva de mais aumentos de taxas nos EUA vai funcionar a favor ao manter a pressão no iene e ao suportar os preços”.

“Mas só porque a Fed e a Europa estão a mudar de rumo não significa necessariamente que o Japão irá fazer o mesmo”, frisou.

Além das eventuais repercussões no mercado cambial e na inflação, o efeito de contágio poderá também ser resultado de alterações no crescimento económico.

“Se a agora anunciada redução do balanço da Fed vier a criar algum impacto negativo no crescimento económico, este sentimento negativo poderá contagiar a economia de uma forma global, levando a que, por exemplo, o BCE possa adiar uma retirada de estímulos, ou fazê-lo de forma mais branda”, salientou José Lagarto.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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