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Incentivo às reestruturações empresariais – uma ajuda para a retoma?

O regime especial de transmissão de prejuízos fiscais aplicável aos adquirentes de entidades consideradas empresas em dificuldade, previsto na Proposta de Lei do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, é verdadeiramente inovador no nosso regime fiscal.
5 Julho 2020, 13h40

Em sede de incentivos a operações de reestruturação empresarial previstas na Proposta de Lei do Orçamento do Estado Suplementar para 2020 (PLOES2020), destacamos nesta análise o regime especial de transmissão de prejuízos fiscais aplicável aos adquirentes de entidades consideradas empresas em dificuldade. Esta medida é verdadeiramente inovadora no nosso regime fiscal.

Em termos gerais, o benefício fiscal proporcionado por este regime especial consiste no facto de os prejuízos fiscais da entidade adquirida (vigentes à data da aquisição das partes de capital) poderem ser transmitidos e deduzidos ao lucro tributável da entidade adquirente, na proporção da sua participação no capital social da entidade adquirida.

A dedução em apreço pode ser efetuada durante o período geral de dedução (que será de 12 anos para as empresas tipicamente abrangidas por esta medida – micro, pequenas e médias empresas), mas o montante de prejuízos a deduzir em cada período de tributação não poderá ultrapassar 50% do lucro tributável da entidade adquirente.

A entidade adquirente, para poder aproveitar deste regime, terá de ser um sujeito passivo de IRC residente em território português (ou não residente com estabelecimento estável em Portugal) que exerça, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que, cumulativamente:

a) Seja micro, pequenas e médias empresas ou empresas de pequena-média capitalização, tal como resulta da legislação vigente;

b) Disponha de contabilidade organizada;

c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

d) Tenha a situação tributária regularizada.

Adicionalmente, as seguintes condições são de preenchimento cumulativo:
e) A entidade adquirida deverá ser micro, pequena ou média empresa, nos termos da legislação vigente;

f) A entidade adquirida deverá ser capaz de demonstrar que passou a ser considerada empresa em dificuldade durante o período de tributação de 2020, comparativamente à situação verificada no período de tributação de 2019;

g) A aquisição da participação social deve permitir a detenção, direta ou indireta, da maioria do capital com direito de voto;

h) A totalidade dos rendimentos das entidades adquirida e adquirente deverá estar sujeita ao regime geral da tributação do IRC;

i) Não poderão ser distribuídos lucros pela entidade adquirida durante 3 anos contados da data de produção de efeitos do presente benefício;

j) A participação social, que represente a maioria do capital com direito de voto, deverá ser mantida ininterruptamente por um período não inferior a 3 anos;

k) A entidade adquirida não deverá cessar contratos de trabalho durante 3 anos, contados da data de produção de efeitos do presente benefício, ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho.

De referir ainda que o regime prevê uma norma anti-abuso, a qual limita a transmissão dos prejuízos fiscais quando se conclua que a operação de aquisição teve contornos abusivos. Caso assim se verifique, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tem o poder de emitir liquidações adicionais de imposto majoradas em 15%.

Não obstante o mérito desta medida e do facto deste incentivo poder ser uma ajuda relevante para a retoma da economia (pois aumenta potencialmente o valor intrínseco da entidade a adquirir pelo justo valor da poupança fiscal inerente aos seus prejuízos fiscais que vierem a ser transmitidos para a entidade adquirente, que de outra forma poderia ser perdido), entendemos que este regime especial, nos termos propostos, deverá ser revisto de forma a contemplar ou clarificar os seguintes aspetos:

  • Caso a entidade adquirente esteja incluída num grupo ao qual se aplique o regime especial de tributação dos grupos de sociedade (“RETGS”), faria sentido que os prejuízos transmitidos pudessem ser deduzidos contra o lucro tributável desse RETGS e não apenas da entidade adquirente.
  • O Código do IRC estabelece a regra de que a dedução de prejuízos fiscais apurados por uma determinada entidade deixa de ser aplicável quando se verificar a alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto dessa mesma entidade. Não obstante esta limitação, o membro do Governo responsável pela área das finanças pode autorizar, em casos de reconhecido interesse económico e mediante requerimento a apresentar à AT, que não seja aplicada a referida limitação à dedução. Pela leitura do regime especial proposto na PLOES2020, em caso de alteração de controlo de uma determinada entidade (a entidade adquirida), a submissão do referido requerimento por esta entidade não fica dispensada. Seria relevante esclarecer este ponto e, caso seja de manter a necessidade de apresentação do referido requerimento, então deveria estabelecer-se um prazo limite de resposta ao mesmo, o qual deveria ser o mais curto possível, podendo ainda prever-se um deferimento tácito na ausência de resposta dentro do prazo que viesse a ser definido.
  • Outra questão que se coloca é se a limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC também se aplica à dedução dos prejuízos fiscais que venham a ser transmitidos para a entidade adquirente, ao abrigo do referido regime especial, caso venha a ocorrer uma alteração de controlo desta entidade. Tal parece não ser o caso, pois os prejuízos fiscais transmitidos não estão abrangidos pela referida limitação.
  • No seguimento do ponto g) supra, caso a entidade adquirente já detiver direta ou indiretamente mais de 50% do capital social e direitos de voto da entidade adquirida (v.g. 51%) e adquirir uma participação adicional nesta entidade, parece não estar claro se a entidade adquirente pode aproveitar do benefício fiscal proporcionado por este regime especial.
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