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Mira Amaral, Ribeiro e Castro e Alves Monteiro juntam-se contra a revisão da lei de financiamento dos partidos

A Associação Por uma Democracia de Qualidade apela a que se vete a lei, e que se declare a inconstitucionalidade formal por se tratar de “um diploma que foi fruto do atropelo da dignidade democrática do processo legislativo parlamentar.”
  • Joaquim Morgado/ICPT
31 Dezembro 2017, 08h10

António Mocho, Henrique Neto, José António Girão, José Ribeiro e Castro, Luís Alves Monteiro e Luís Mira Amaral associaram-se na APDQ – Associação Por uma Democracia de Qualidade e em comunicado manifestam-se contra a revisão da lei de financiamento dos partidos políticos e apelam a que o Presidente da República vete a lei, que consideram inconstitucional.

O acesso gratuito ao uso de equipamentos públicos para fins de actividades partidárias; a eliminação dos limites à angariação de fundos; e a isenção de IVA são criticadas pelos signatários.

Recorde-se que no dia 21 de dezembro, na Assembleia da República, foi aprovado um conjunto de alterações à lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais: os deputados do PSD, PS, PCP, PEV e BE votaram a favor, enquanto os do CDS-PP e o do PAN votaram contra. Entre as medidas mais controversas sobressai a devolução total do IVA aos partidos políticos. o pedido de “restituição do imposto” aplicável à “totalidade de aquisições de bens e serviços.” A isenção do IVA passa a abranger todas as aquisições de bens e serviços pelos partidos políticos, estejam ou não relacionados com a “sua mensagem política”.

A Associação Por uma Democracia de Qualidade (APDQ), “na linha do Manifesto e dos trabalhos que tem vindo a apresentar para a reforma política urgente em Portugal, irá tomar, ainda no mês de janeiro, uma nova posição pública formal sobre o estado da democracia em Portugal e o financiamento da política, aprofundando, nomeadamente, as questões suscitadas por este deplorável caso parlamentar de fim de ano”, anunciam em comunicado.

“Fá-lo-emos como APDQ e em articulação com outras organizações da sociedade civil com que temos vindo a colaborar”, adiantam.

No imediato, “a APDQ, face às proporções deste caso e a tudo o que revela, não tem a mais pequena dúvida: o Presidente da República deve vetar politicamente a lei”, defende a associação.

O comunicado explica que a Associação de ex-políticos e gestores, defende o veto político para contestar “um processo legislativo totalmente inaceitável, que envergonha a boa prática democrática, quer para reprovar medidas  legislativas muito negativas no que diz respeito ao financiamento dos partidos”, dizem os signatários.

A Associação defende ainda que deve também ser suscitada a questão da avaliação da constitucionalidade do diploma.

“Ao contrário da opinião afirmada por Francisco Louçã, deve entender-se que o diploma está ferido de inconstitucionalidade formal por violação do artigo 168 º da Constituição, na medida em que se atropelou e amalgamou as etapas de iniciativa e de processamento na generalidade, na especialidade e global final, bem longe da dignidade própria de cada momento processual”, defendem.

“O que se passou na aprovação pela Assembleia da República da legislação de financiamento dos partidos e da política em Portugal é inadmissível. Merece a mais firme reprovação por parte de todos os cidadãos conscientes da cidadania. É um acto lamentável que fere e enterra ainda mais a imagem e o prestígio dos partidos políticos”, acusam os signatários do comunicado.

“Os partidos políticos são essenciais à democracia e é essencial à democracia que não aconteça este tipo de processos legislativos: furtivos, obscuros, clandestinos”, acrescentam.

“A Assembleia da República acaba de servir de modo lamentável e irresponsável uma dose massiva de populismo a todos os cultores do radicalismo e do extremismo”, dizem os ex-políticos e gestores.

A associação que é composta por pessoas de vários partidos diz que “depois de meses de ruminação escondida num obscuro grupo de trabalho em comissão, surge de repente, a 19 de Dezembro, um projeto de lei coletivo, em matéria de grande sensibilidade, extrema complexidade e alta importância, para ser logo apreciado sumariamente e votado em m plenário, apenas dois dias depois, despachando-o a trouxe-mouxe, tudo a eito e de uma vez só, embrulhado com muitas outras votações do dia”, denunciam.

“A nova lei foi aprovada na generalidade por todos os partidos parlamentares no dia 21 de Dezembro. E, logo de seguida, na mesma sessão, aprovada também na especialidade e em votação final global, aqui com demarcação do CDS e do PAN por  causa de duas questões em especial. O mal ficou feito. Há que travá-lo. E tirar lições para o futuro”, escrevem no comunicado.

Apelidando de “processo obscuro”, a aprovação da lei de financiamento dos partidos, os responsáveis pela associação lembram que “a Assembleia da República legisla em nome do Povo. O Povo tem de ter sempre a oportunidade de saber e perceber exactamente aquilo que se passa; e de poder fazer chegar, a tempo, a sua voz”.

“Seria interessante que o Tribunal Constitucional pudesse pronunciar-se formalmente sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade deste processo legislativo, assim como sobre outros malabarismos regimentais e de praxes irregulares em que a Assembleia da República tem vindo a decair ao longo dos últimos anos, em termos que afectam a dignidade da nossa democracia”, realçam.

O grupo que integra Luís Mira Amaral, do PSD e José Ribeiro e Castro do CDS, diz estar certo de que “o Tribunal Constitucional ao ter suscitado questões que mereceriam melhor solução legislativa no regime de financiamento da política e da respectiva prestação de contas, não pretendia nada disto”.

Acusam o Parlamento  de ser uma “fabriqueta normativa da burocracia partidocrática”, “completamente à mercê dos interesses corporativos dos partidos e de outros agentes dominantes”.

“Um caso destes jamais ocorreria num apropriado processo democrático, aberto e claro, digno da representação parlamentar da soberania popular”, acrescentam.

A APDQ contesta também as principais novidades na lei. “O acesso gratuito ao uso de equipamentos públicos para fins de actividades partidárias carece de ser bem visto e regulado, quer no impacto em termos de financiamento implícito adicional, quer na igualdade de tratamento entre todos os actores políticos democráticos, trate-se de pequenos ou grandes partidos, ou de candidaturas e movimentos independentes”, diz o comunicado.

Outra crítica dirige-se à eliminação dos limites à angariação de fundos que “acarreta enormes perigos que não estão devidamente acautelados; e contrasta flagrantemente com a evolução que, por razões de igualdade e de prevenção e combate da corrupção, foi feita para um regime de financiamento público predominante”.

“Os partidos parlamentares não podem querer ter o melhor de dois mundos: por um lado, o conforto do financiamento estatal garantido pelos contribuintes e, por outro lado, financiamento privado ilimitado e descontrolado. Esse melhor de dois mundos para os partidos é o pior de dois mundos para o cidadão contribuinte: de um lado, o contribuinte paga; do outro, o cidadão assiste, impotente, à instalação e desenvolvimento do caldo de cultura da corrupção”, alertam.

Por último, “merece crítica severa o bónus geral de isenção de IVA, tanto pelo benefício em si mesmo, como pela sua evidente aplicação retroactiva”, descreve o manifesto.

“A aplicar-se um regime como o aprovado, os partidos parlamentares não poderiam mais recusar regimes similares a quaisquer outras áreas de serviços com o mais alto e evidente interesse público”, adiantam.

“E são lamentáveis as declarações de altos responsáveis políticos, negando o efeito retroactivo das novas normas”, apontam ainda. “Como é evidente, havendo contencioso pendente justamente por causa da diferença de entendimentos quanto ao regime aplicável em matéria de IVA, só o advogado mais medíocre e incompetente não alegaria nesses processos a “clarificação” legislativa para obter imediato ganho de causa”, revelam.

A Associação apela a que se vete a lei, que se declare a inconstitucionalidade formal por se tratar de “um diploma que foi fruto do  atropelo da dignidade democrática do processo legislativo parlamentar.”

E concluem apelando a que se “reforme de uma vez por todas a forma de fazer política em Portugal”.

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