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Novo Presidente de Angola vai herdar um legado (e uma crise de divisas)

Até ao final da semana deverá tornar-se oficial que João Lourenço sucede a José Eduardo dos Santos na liderança do país africano. Entre os desafios que o novo presidente vai enfrentar está um problema cambial, que dura há mais de dois anos e deixou os cofres de Luanda sem divisas.
23 Agosto 2017, 09h45

Em plena crise económica, José Eduardo dos Santos deixa a presidência de Angola esta semana, depois de 38 anos no poder. Segundo as sondagens, o sucessor deverá ser João Lourenço, candidato do MPLA, que herda um país afundado numa crise de divisas sem precedentes, fruto da monocultura que constitui a base de toda a sua riqueza: o petróleo.

“Qualquer que seja o resultado na transição de poder, a visão terá que ser no sentido de potenciar mais o setor produtivo e exportador da economia angolana, para diversificar as fontes de rendimento e gerar mais rendimentos”, explica o economista e professor da Católica Luanda Business School, Salim Valimamade, ao Jornal Económico.

“A principal preocupação do sistema financeiro angolano, é o atual cenário macroeconómico, proveniente da queda acentuada dos preços internacionais do petróleo desde finais de 2014”, diz.

A economia angolana é fortemente dependente do mercado petrolífero, sendo que 30% do produto interno bruto (PIB) e 95% das exportações provêm do petróleo. O país tem sido, por isso, penalizado pela descida dos preços da matéria-prima a nível global, da mesma forma que beneficiou quando o crude cotou muito acima dos 100 dólares, no verão de 2014. Desde então, o preço do barril tem caído a pique, para menos de 30 dólares, no início do ano passado.

Angola ressentiu-se da diminuição das receitas provenientes do petróleo, que levou a uma quebra da entrada de divisas no país.

Kwanza em queda e dólar desaparecido

“A diminuição da principal fonte de receitas fiscais e obtenção de divisas para a economia, tem vindo a criar enormes dificuldades na gestão das políticas fiscal, cambial e monetária, implicando, assim, a volatilidade nas principais variáveis macroeconómicas tais como, a taxa de câmbio, taxa de inflação e a taxa de juro”, diz Salim Valimamade.

“Naturalmente, que esta volatilidade tem tido um grande impacto no sistema financeiro, principalmente, no setor bancário angolano”, explica.

Só no ano passado, a moeda nacional angolana, o kwanza, desvalorizou 18% face ao dólar norte-americano, depois de uma depreciação superior a 23% no ano anterior. O Banco Nacional de Angola (BNA) estabeleceu a taxa de câmbio oficial em 166 kwanzas há quase um ano, um valor que compara com os 100 kwanzas que valia um dólar antes do início da crise.

“Devido a uma economia, em parte, ainda significativamente dependente das importações, devido à queda das receitas fiscais em moeda estrangeira, a obtenção de divisas através dos leilões do banco central tem vindo a ser decrescente nos últimos anos, dificultando, assim, a venda de divisas para os diversos importadores”, explica o economista, sobre a escassez de moeda estrangeira.

O dólar norte-americano tornou-se cada vez mais difícil de encontrar em Angola e o BNA tentou travar o problema através do controlo cambial. Em março, José Eduardo dos Santos assinou um decreto presidencial que determina que os pagamentos a trabalhadores, nacionais ou estrangeiros, tenham de ser feitos em kwanzas. A medida seguiu-se a um aperto no controlo à entrada e saída de moeda estrangeira do país, decretado no ano anterior.

A falta de dólares impulsionou o mercado paralelo, que mesmo sendo ilegal, tornou-se uma das poucas alternativas, especialmente para trabalhadores expatriados. Nas ruas, o dólar chegou a custar 630 kwanzas, em junho do ano passado. Neste momento, serão precisos cerca de 390 kwanzas por cada dólar, mais do dobro do câmbio oficial.

Investimento estrangeiro pode estabilizar moeda

A crise financeira acentuou-se pelas dúvidas em relação à transparência das práticas e suspeita de branqueamento de capitais pela banca angolana, que levaram a um corte de relações com bancos internacionais.

“Um dos principais desafios que a banca angolana tem vindo a apresentar, tem a ver com a qualidade dos ativos, nomeadamente, com os níveis de crédito mal parado”, diz o professor da Católica Luanda Business School.

“Perante esta crise, muitas empresas endividadas mostram-se incapazes de cumprir com os seus compromissos, gerando, assim, maiores níveis de crédito mal parado e piorando, assim, a qualidade dos ativos”, aponta.

Apesar da crise, que levou a uma estagnação da economia no ano passado, Salim Valimamade acredita que o país tem potencial de crescimento, impulsionado pelo investimento direto estrangeiro. “Penso que com o potencial que a economia angolana tem e com os investimentos adequados, o ritmo de crescimento económico poderá aumentar e, assim, e a estabilidade da moeda nacional poderá ser fácil de alcançar”, diz.

“A crise económica despertou  uma maior consciência, nomeadamente, ao nível da necessidade de diversificar urgentemente a estrutura económica do país onde penso que o setor privado terá um papel cada vez mais importante. Por outro lado, para uma maior consciência também na eficiência e na execução orçamental do país”, diz.

“Penso que a economia angolana tem potencial e, com as condições apropriadas, poderá recuperar facilmente para os ritmos de crescimento adequados”, conclui.

 

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