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O que concluiu o relatório preliminar da CPI ao NB sobre o período antes da Resolução?

Foram abrangidos na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco quatro períodos. Veja aqui as conclusões do relatório preliminar sobre o período que antecedeu a Resolução do BES em 3 de agosto de 2014.
20 Julho 2021, 13h38

Foram abrangidos na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco quatro períodos: o “período antecedente à resolução e relativo à constituição do NB [Novo Banco]”, o “período antecedente e relativo à alienação”, o “período após alienação” e ainda pretende “avaliar a atuação dos governos, BdP [Banco de Portugal], FdR [Fundo de Resolução] e Comissão de Acompanhamento no quadro da defesa do interesse público”.

No que se refere ao período antecedente à resolução e relativo à constituição do Novo Banco o relatório preliminar da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução, a que o Jornal Económico teve acesso, tira várias conclusões.

A estrutura do Grupo Espírito Santo e da ESFG e a forma como foi desenhada pelos seus responsáveis visou criar dificuldades ao escrutínio da supervisão é uma das conclusões. O impacto dessa circunstância foi “altamente danosa para o grupo, para a economia e para os contribuintes”, diz o relatório.

No denominado “Relatório Costa Pinto”, segundo o relatório, “são extraídas conclusões demasiado incómodas para a forma como a supervisão foi conduzida no caso BES, facto que esteve na génese da decisão de Carlos Costa em não o sujeitar ao contraditório e à discussão interna no BdP, porquanto a referida discussão seria suscetível de colocar em causa os responsáveis do BdP, nomeadamente o Governador, os administradores e os diretores com responsabilidades na supervisão”.

A forma como o BdP exerceu os seus poderes de supervisão relativamente ao GES-ESFG “caracterizou-se por falta de intervenção ou decisão tardia, perante problemas que identificou e soluções que equacionou, mas que nunca chegou a implementar”.

A deslocalização da sede da holding [ESFG], de acordo com os serviços do BdP, seria uma medida adequada para responder às dificuldades criadas à supervisão pelas más práticas da gestão do GES- ESFG. Esta medida, diz o relatório, foi ponderada pela administração do BdP que, após dois anos sem nada decidir, decidiu não a implementar.

Recorde-se que Pedro Duarte Neves, ex-vice-Governador, lembrou que o Banco de Portugal não tinha poder para determinar que a ESFG mudasse a sede para Portugal

O relatório da CPI mimetiza, em parte, as conclusões do chamado “Relatório Costa Pinto”, que “chegou à conclusão, em momentos distintos, que uma atuação mais enérgica do Banco de Portugal poderia ter evitado ou minimizado problemas” no BES.

O relatório Costa Pinto diz que havia uma nota dos serviços de supervisão do regulador bancário que alertava para o risco de o BES ter como casa-mãe uma sociedade com sede no Luxemburgo – a ESFG. O alerta dos técnicos ao risco de o BES ter uma casa-mãe no Luxemburgo foi feito em 2011.

A nota interna alertava para os aspetos muito negativos desse facto. Nomeadamente alertava para o facto de a ESFG poder abrir filiais em paraísos fiscais escapando ao controle do Banco de Portugal.

Uma das falhas do Banco de Portugal apontada nesse “Relatório Costa Pinto” é que essa nota nunca chegou ao Conselho de Administração do Banco de Portugal.

A medida de subida do patamar de consolidação da ESFG foi ponderada pelos serviços do BdP, era exequível. Contudo, não foi implementada pela administração do BdP em prejuízo da possibilidade de um controlo mais efetivo da atividade a ESFG, adianta o relatório elaborado pelo deputado do PS, Fernando Anastácio.

Banco Espírito Santo Angola e tolerância aos grandes riscos

Mas há mais conclusões no relatório da CPI. Ainda no que se refere ao primeiro período em análise, o documento diz que a exposição do BES ao BESA em 2013 representava metade dos fundos próprios do BES violando normas prudenciais, o que obrigava o supervisor a impor medidas para reduzir tal volume de exposição. “Não houve, porém, qualquer intervenção por parte do BdP a este respeito”.

“A celebração do protocolo entre o BdP e a CMVM nos termos em que o mesmo foi formulado e a interpretação que dele foi feita pelo BdP, sem ter em conta que o risco reputacional integra os seus poderes de supervisão, sempre que se trate de colocação aos balcões de uma entidade bancária de papel comercial ou obrigações, não foi a adequada”, diz o relatório de Fernando Anastácio.

A simplificação da ESFG deveria ter passado por fazer cessar situações identificadas como de risco, como, por exemplo, a acumulação de funções por parte dos administradores. Este risco foi identificado e foram ponderadas soluções, contudo não houve, pelo menos até finais de 2013, decisões da administração do BdP nesse sentido, é outra das conclusões.

No mesmo relatório é dito que “desde 2010 que é conhecida no BdP a exposição a partes relacionadas com administradores do BES a decidirem crédito em favor de empresas da vertente não financeira do grupo que administram. O mesmo acontecia quanto a práticas destinadas a contornar os limites prudenciais à exposição das partes relacionadas. Por exemplo, nos momentos de reporte ao supervisor, ocorriam práticas como o denominado window dressing. A administração do BdP, apesar de ter conhecimento de tais práticas, pelo menos desde o ano de 2010, só em junho de 2013 tomou a decisão de intervir e de lhes pôr cobro”.

Em 2012, o BdP, em articulação com o BCE lançou, um conjunto de medidas que visavam a avaliação dos balanços dos bancos com vista à sua capitalização. Neste quadro surgiu o ETRIC 2, assim como um conjunto de outras medidas, diretamente orientadas para tentar fazer face aos problemas que eclodiam no Grupo BES, particularmente na ESFG, refere o relatório.

O BES foi o único banco, de entre os principais do sistema bancário português, que não recorreu à linha existente no programa de apoio financeiro criada no âmbito da intervenção da “Troika”. Segundo o documento, os dados e informações ao tempo disponíveis sobre a ESFG e sobre o BES, e que eram do conhecimento da supervisão, permitiam compreender quais as razões que estavam na base da decisão de não recorrer a esse apoio por parte da administração do BES. “Porém, estava nas competências do supervisor, emitir recomendações ou alertas que permitissem ao Governo desenhar o normativo das condições de acesso a essa linha de modo diverso, nomeadamente, tornando-o obrigatório com as necessárias medidas cautelares associadas”.

O BdP desenhou um mecanismo de proteção, denominado ring-fencing, com o objetivo de proteger o grupo financeiro dos riscos emergentes da parte não financeira do GES, programa que previa medidas como o aumento de capital para fazer face às perdas da ESI (Espírito Santo International) e a redução da exposição direta e indireta à vertente não financeira do grupo. “Contudo, na sua execução foram tomadas decisões que prejudicaram esse objetivo, de que são exemplos: uma deficiente informação no prospeto da emissão de aumento capital, onde classificava o risco como potencial quando este era eminente; ou a criação de uma conta escrow, destinada a centralizar os recursos financeiros exteriores ao grupo, domiciliando-a no BES, sob o controlo dos administradores que tinham levado o Banco àquela situação”, diz o documento.

No grupo BES existiram práticas fraudulentas, como a operação de recompra das obrigações próprias com prejuízo, através do veículo da Eurofin, que teve um impacto de 1,2 mil milhões de euros nas contas do BES, como é bem evidenciado nas contas do primeiro semestre de 2014. Este grupo suíço ligado ao BES desenvolvia esta prática desde 2008. “Uma supervisão ativa e intrusiva, que tivesse promovido uma investigação à colocação de obrigações e ao perfil dos seus adquirentes teria, muito mais cedo, percebido esta realidade”, defende o deputado relator.

O relatório preliminar conclui que existia a possibilidade de o BdP afastar administradores, nomeadamente Ricardo Salgado, com fundamento na perda de idoneidade. “Os normativos existentes na legislação ao tempo em vigor que o permitiam eram, nomeadamente, os artigos 141.º e 33.º. do RGICS. A administração do BdP analisou essa possibilidade e optou por não o fazer, o que foi uma má opção do supervisor”.

“O BdP, depois de ter imposto um aumento de capital no BES e o afastamento dos órgãos sociais do BES, veio a recuar nesta última decisão, permitindo que fosse retirada da ordem de trabalhos da AG do BES a nomeação de novos órgãos sociais”, defende o relatório.  “Muitos dos denominados lesados de BES resultaram desse aumento de capital”, lembra o deputado relator.

O relatório do deputado socialista aponta o dedo aos responsáveis do governo anterior do PSD/CDS. “Ao tempo da realização desta operação de aumento de capital era do conhecimento de Carlos Costa, Governador do BdP, Maria Luís Albuquerque, Ministra das Finanças, Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, Paulo Portas, Vice-Primeiro Ministro, Pedro Passos Coelho, Primeiro Ministro, e Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia que existiam problemas na vertente não financeira do GES, o qual estaria em iminente colapso, e que a dimensão do problema financeiro seria da ordem dos 7,5 mil milhões de euros”.

Exposição ao Banco Espírito Santo Angola

A exposição do BES ao BESA, chegou a representar cerca de 50% dos fundos próprios do grupo, exposição que estava refletida nas contas do próprio BES, que eram públicas, e, “portanto, do conhecimento da supervisão”. Este crescimento verificou-se de uma forma galopante entre 2008 e 2014, estando em junho de 2014 no montante de 3.368 milhões de euros. “O BdP não tem qualquer registo de atuação sobre esta matéria que não seja o de conceder ao BESA, a dispensa do cumprimento da limitação legal de exposição a partes relacionadas, que se traduziu na permissão ao BESA da violação do cumprimento dos limites dos grandes riscos”.

No dia 4 de agosto 2014 é revogada a garantia soberana do Estado angolano que consistia numa Garantia Autónoma, a favor do BESA, no valor limite de 5.700 milhões de dólares, emitida sobre os créditos concedidos pelo BESA e imóveis na sua carteira, com um prazo máximo de dezoito meses, garantia esta que o BdP nunca reconheceu para efeitos prudenciais.  “A este respeito, sempre houve uma evidente articulação e consonância entre a posição defendida pela gestão do BES e do GES, nomeadamente por Ricardo Salgado, e a posição expressa pelo regulador angolano e pelas autoridades angolanas”.

“Não pode deixar de se estabelecer uma relação mais ampla do que a simultaneidade temporal e considerar que existe um nexo de causalidade entre a resolução e o tratamento diferenciado dado aos créditos sobre o BESA e à participação social do BES e a revogação da garantia soberana do Estado angolano, o que aconteceu no dia seguinte à resolução”.

Crítica à KPMG Angola

A KPMG Angola, auditor externo do BESA, apesar de dar nota do seu desconforto quanto à falta de informação sobre a carteira de crédito, nunca colocou qualquer reserva em relação às contas do BESA e a KPMG Portugal, auditor externo do grupo, nunca reportou nas contas consolidadas qualquer reserva. “Estamos perante comportamentos suscetíveis de constituir uma violação dos deveres e obrigações do auditor, ao que acresce ser esta situação um exemplo, claro, de materialização de um conflito de interesses, que devia ter merecido, atempadamente, a devida ponderação por parte do BdP”, diz o relator. No entanto a supervisão dos auditores não é da competência do Banco de Portugal.

Em 2012 é assinado um protocolo de cooperação entre o BdP e o Banco Nacional de Angola que, apesar de estabelecer a equiparação entre as supervisões nacionais, não tinha o alcance de outros protocolos que o BdP tinha estabelecido com outros bancos centrais. “Contudo, antes de ter assinado este acordo, o BdP já tinha atribuído equivalência de supervisão ao Banco Nacional de Angola. Esta decisão está na origem e explica parte das dificuldades com que o BdP se confrontou na ação de supervisão, ficando limitado à informação dos auditores, situação que ganha particular relevância relativamente ao BES, tendo em conta a participação de capital por este detida no BESA”, conclui o relatório.

Uma análise às contas do Grupo BES, referentes aos exercícios de 2010 e 2011, realizada por uma equipa de técnicos de um banco concorrente, o Banco BPI, que necessariamente teria menos informação que o supervisor, “permitiu produzir um relatório que foi entregue ao Governador do BdP, em maio de 2013, relatório esse que era claro quanto à falência iminente do GES. Desse relatório resulta que, um ano antes do colapso do BES, já bancos a operar no sistema bancário nacional tinham informação que o risco de falência do BES era muitíssimo elevado”, diz o documento.

O protocolo celebrado entre o BdP e a CMVM e a leitura do exercício dos poderes de supervisão que dele fez o BdP, particularmente no caso BES, “caraterizou-se por uma manifesta autolimitação por parte do BdP, no que tange ao exercício das suas competências de supervisão”. Esse protocolo não dispensava uma partilha permanente e atempada de informação entre os supervisores, “que se revelou, quando existiu, tardia e deficiente”.

“Também a venda de produtos financeiros aos balcões do BES, nomeadamente obrigações do próprio banco, unidades de participação de um fundo Espírito Santo Liquidez e de Papel Comercial de entidades da parte não financeira do GES, exigiam uma intervenção por parte do BdP em termos de supervisão comportamental”, refere o relatório.

O relatório que é muito mais crítico para o BdP do que para os outros supervisores financeiros diz que se verificou ter existido “uma tardia e deficiente comunicação na troca de informações entre o BdP e o ISP [atual ASF]. É disso exemplo paradigmático o facto de o ISP só ter sido informado pelo BdP, no final de março de 2014, do que se passava na parte não financeira do GES, apesar da já terem sido decididas medidas relativas às seguradoras do grupo e já estar em curso a sua implementação desde o último trimestre de 2013, o que não permitiu ao ISP um controlo mais apertado sobre o uso da Tranquilidade como garantia da dívida do GES”.

A interação do BdP com os auditores externos, no sentido de clarificar dúvidas “em questões de extrema complexidade” no âmbito do exercício de supervisão do GES, foi confrontada com a leitura que os auditores faziam das suas responsabilidades e obrigações de reporte e informação, “a qual era norteada por uma conceção minimalista ou assente numa interpretação restritiva dos normativos a que estão vinculados no exercício da sua atividade”.

“Existe uma excessiva concentração do conhecimento e competências num número muito reduzido de auditoras e consultoras, o que, necessariamente, coloca problemas de transparência e é suscetível de gerar incompatibilidades”, conclui o relatório preliminar da CPI ao Novo Banco.

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