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Pobreza energética severa atinge 700 mil portugueses. “Tendência é desvalorizar desconforto”, diz Deco

O especialista de Energia na Deco Proteste, Pedro Silva, tem dúvidas de que as metas da Estratégia de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2023-2050 sejam cumpridas nos prazos definidos, isto porque se trata de “um assunto muito complexo”.
15 Janeiro 2024, 08h30

Já é conhecida a Estratégia de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE), que apresenta como grande objetivo a redução, de 17,5% para 10%, do número de famílias que, em casa, vivem em situação de desconforto devido à pobreza energética. O plano torna-se ainda mais ambicioso porque, até 2050, pretende baixar a fasquia a 1%.

A estratégia foi publicada em Diária da República na última segunda-feira e apresentada, em conferência de imprensa, no final da semana passada, numa cerimónia que contou com as presenças da secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, e do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. A este propósito, foi ainda revelado que Portugal terá até final do próximo ano 50 pontos “Espaço Cidadão Energia” espalhados pelo país, para apoiar as pessoas na área da energia, devendo começar ainda este ano com cinco projetos-piloto.

Em declarações ao Jornal Económico, Pedro Silva, especialista de Energia na Deco Proteste, afirma que “este é um bom ponto de partida”. Tem é algumas dúvidas que as metas sejam cumpridas nos prazos definidos, isto porque “a pobreza energética é um assunto muito complexo”.

De acordo com este especialista, “há muitas pobrezas dentro desta pobreza” e são “vários os indicadores e vários os problemas que têm que ser resolvidos”. Há diversas camadas, “como nas cebolas”. A falta de liquidez financeira para suportar as despesas energéticas é uma delas, mesmo existindo, com este plano estratégico, o apoio ao nível das tarifas sociais.

Por outro lado, há ainda a questão da habitação que “é de má qualidade”, por não estar devidamente preparada para um inverno mais rigoroso ou para as ondas de calor. “Todas as construções, até ao ano 2000, mostram os números, são sorvedores de energia”, o que acaba por colocar um problema do ponto de vista do conforto energético”, destaca Pedro Silva.

Mencionada é também a questão que se prende com “a eficiência dos aparelhos que os portugueses utilizam”. Na óptica de Pedro Silva, radiadores a óleo, os termo ventiladores são “altamente ineficientes”. Dão apenas um conforto momentâneo e “gastam imenso”. Na fatura energética, e a longo prazo, “acabam por ser mais caros do que um aparelho de ar condicionado que tem um consumo muitíssimo inferior”, sublinha o especialista da área da energia da Deco Proteste.

Por outro lado, é de levar em consideração o aspecto cultural e, no nosso país, existe “a tendência para desvalorizar a situação de desconforto”, o que por exemplo no norte da Europa “não se passa”. “É vestir mais uma camisola e mais um par de meias, mas nunca estaremos em conforto”.

Depois, há a pobreza escondida que “é aquela na qual as pessoas nem admitem que estão nesta situação” e, na realidade, são cerca de 600 mil a 700 mil pessoas que passam por um estado de pobreza energética severa, isto dentro de “um milhão e oitocentos a três milhões de estimados que vivem em pobreza energética”. São pessoas num contexto considerado gravíssimo, que “estão identificadas nesta estratégia e que deveriam ser os primeiros destinatários relativamente a isto”.

Em suma, “há esta mais valia que destacaria”, que é a envolvência das agências regionais de energia, do poder local, “também de uma vertente de habitação social que será promovida ainda com o apoio do PRR e de uma forte componente, que nos parece fulcral, para informar as pessoas sobre as soluções que existem”.

Podem existir diversas políticas e programas, mas se estas populações, caracterizadas também por “uma baixa literacia energética”, não tiverem o simples acesso à internet nem souberem “que dados são necessários ou como os vão recolher”, vão acabar por permanecer na mesma. Portanto, “este tipo de proximidade acaba por ser um bom ponto de partida”, aliado, como é óbvio, aos apoios financeiros.

Este responsável da Deco Proteste destaca também a criação do Observatório Nacional de Pobreza Energética que acabará por promover “um melhor dimensionamento e acompanhamento de tudo isto, permitindo ser mais efetivo na chegada junto dos consumidores para ajudá-los relativamente a este problema.”

Durante a apresentação do plano estratégico, também a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, considerou essencial o Observatório Nacional de Pobreza Energética, previsto na ELPPE, que vai assegurar informação, com indicadores de base local, “para soluções mais dirigidas”, e desenhar planos e ações para atingir os objetivos. Tudo, acrescentou, com uma interação com as autoridades locais e associações para que seja possível ir ter com as famílias vulneráveis a apoiá-las.

A secretária de Estado, numa sessão que decorreu na biblioteca de Alcântara, lembrou que um dos principais eixos para erradicar a pobreza energética passa pela sustentabilidade ambiental e energética das habitações, o que quer dizer casas aquecidas de forma adequada, sem infiltrações nem humidades.

Há hoje milhares de famílias com conforto térmico, o programa de apoio a edifícios mais sustentáveis já chegou a 70 mil famílias e está a decorrer um novo aviso, referiu.

No programa vale eficiência (com uma dotação para 2021-25 de 130 milhões de euros) o apoio triplicou, recordou também a responsável, referindo que a tarifa social de energia chega agora a 700 mil famílias.

O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, encerrou a sessão afirmando que é preciso encarar as metas em relação à pobreza energética como um “desígnio nacional”, considerando importante que os programas de apoio se mantenham todos os anos, e que cheguem a cada vez mais pessoas. Nos primeiros trimestres deste ano deverá ser estudado o modelo, com cinco projetos a começar no último trimestre, sendo a implementação no próximo ano.

Bloco de Esquerda propõe descida do IVA da eletricidade

Quem também se pronunciou sobre o tema foi Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda. Nas palavras da líder bloquista, Portugal é “recordista da pobreza energética” e, por essa razão, para combater o flagelo, propõe a descida do IVA da eletricidade para 6%.

Segundo Mariana Mortágua, apesar de ficar “longe de ser o país onde faz mais frio na Europa”, em Portugal “o frio mata e não tem que ser assim”, porque esta mortalidade resulta do facto das casas não estarem “suficientemente isoladas” e pelo preço da energia, que no entender da coordenadora do Bloco de Esquerda, é “demasiado alto e incomportável para demasiadas famílias”.

Conclui assim que a redução do preço da eletricidade “é uma das formas de combater a pobreza energética no plano mais imediato e mais urgente”.

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