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Vem aí um ano de desafios estruturais numa conjuntura desfavorável

A adoção de tecnologias inovadoras, as alterações aos estatutos das Ordens e a retenção de talento irão dificultar um ano que se adivinha complicado para as empresas, que tanto dependem dos contabilistas para apoio.
2 Dezembro 2023, 08h00

A retenção de talento mantém-se como um dos principais desafios numa profissão com elevadas responsabilidades, que necessita de conhecimentos cada vez mais transversais e ainda com honorários demasiado baixos, referem as vozes do sector. A inovação obriga a um desenvolvimento constante, mas a quebra da atividade em 2024 será novo foco de preocupação para os empresários, que procuram frequentemente no contabilista certificado um conjunto de serviços que, em empresas de maior dimensão, são desempenhados por um conjunto de departamentos.

Depois de uns anos atípicos precipitados pela pandemia, 2023 viu uma normalização da atividade a que a contabilidade não escapou. A onda de apoios e burocracias associadas, a propósito da Covid-19, primeiro, e da crise energética, depois, criaram uma série de dúvidas e questões aos empresários que, num tecido composto esmagadoramente por micro, pequenas e médias empresas (PME), recorreram sobretudo aos contabilistas certificados como ponto de ajuda, orientação e aconselhamento, um exemplo claro da necessidade cada vez mais evidente de competências transversais.

Por outro lado, e com a economia nacional e europeia em transformação e envolvidas em agendas tão exigentes como a climática ou digital, esta necessidade de aconselhamento torna-se ainda mais evidente. O próprio sector tem-se transformado, assentando cada vez mais em ferramentas digitais e automatizadas, permitindo aos profissionais libertarem mais tempo para se “dedicarem àquilo que é verdadeiramente importante: a partilha de informação com o empresário, a divulgação, o acompanhamento da atividade e, acima de tudo, serem um consultor, um parceiro de negócio dos empresários”, refere a bastonária da Ordem do sector, Paula Franco.

De facto, o ramo da contabilidade é cada vez mais baseado em tecnologias da informação, por oposição a uma atividade clássica e rotineira, como no passado. Termos como inteligência artificial, cloud computing, blockchain ou automação passaram a fazer parte do léxico do sector, permitindo ganhos de eficiência e uma gestão mais completa da parte financeira das empresas, mas começam também a servir de diferenciação entre os agentes do sector. Em sentido oposto, e apesar da aposta dos profissionais do sector nestas ferramentas, os honorários continuam longe dos “que deviam ter”, argumenta a bastonária.

“Os empresários devem ter noção que é preciso pagar um pouco mais e ter um serviço com outra disponibilidade, porque só assim é que a economia também cresce. […] É claro que quem paga quer sempre pagar menos, mas atenção a esta grande preocupação, porque se esta é uma área especializada, das que exige mais conhecimento a nível geral e muitas vezes mal valorizada, isso depois tem consequências nos jovens e nos profissionais que, estando em pleno emprego, preferem ir para uma consultora que lhes paga mais e onde não tem esta responsabilidade”, resume.

O resultado é uma classe envelhecida, onde o novo talento se torna difícil de reter. Mas os efeitos podem sentir-se noutros sectores: dado que a generalidade dos outros sectores financeiros e económicos trabalham com base na informação preparada pelos contabilistas, “se não houver quem prepare bem, todas as outras atividades que ganham mais vão-se basear em informação não fidedigna”, teme a bastonária.

Além dos desafios estruturais de um sector em transformação, o ano de 2024 trará desafios conjunturais criados pelo abrandamento da economia e, sobretudo, pelas alterações nos estatutos das ordens profissionais. A proposta do Governo gerou bastante polémica num momento inicial e, apesar de vários sectores continuarem num braço-de-ferro com o Executivo, a OCC fala numa negociação com resultados positivos.

Paula Franco fala num processo que envolveu “muitíssimo trabalho” para chegar a um estatuto justo e robusto, que permita aos profissionais do sector manter o rigor na defesa do interesse público, embora reconhecendo que outras Ordens tenham “todo o direito e razões para se manifestarem”.

No entanto, nem todo o sector está de acordo. João Marcos Rita, managing partner da Azzur, alerta para o risco de a profissão “ficar seriamente abalada na sua credibilidade e rigor, a partir do momento em que possam de facto ser eliminados alguns pressupostos que façam com que a atividade possa ser desempenhada por elementos terceiros desconhecedores das leis em vigor e dos pressupostos, regras e procedimentos da própria contabilidade”.

Este é um perigo particularmente relevante numa altura em que o país deveria estar a entrar em velocidade de cruzeiro na aplicação dos fundos europeus. Neste âmbito, e apesar da necessidade de acelerar a execução do PRR e PT2030, continua a faltar um reporte adequado e atempado das contas de várias instituições do Estado, em linha com o que o Tribunal de Contas tem vindo a urgir. Mais um aspeto em que os contabilistas certificados serão chamados, mais cedo ou mais tarde, a intervir.

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