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‘Geringonça ao centro’ ou governo de salvação surgem no horizonte

Maioria para “repartir os sacrifícios” da crise pode levar o PSD a juntar-se ao PS, estando por saber em que moldes. Mas António Costa e Rui Rio ainda nada disseram sobre uma ideia conotada com Belém.
27 Março 2020, 11h18

Se depois da tempestade vem a bonança, depois do tsunami económico provocado pelas medidas de contenção da Covid-19 poderá vir uma alteração profunda da governação de Portugal, pois as dificuldades que o Executivo minoritário de António Costa vinha sentindo desde o início da legislatura dificilmente são compatíveis com a missão de conduzir o país através da sucessão de decisões impopulares necessárias. E é por isso que se fala num regresso ao passado, ainda que a conjugação de esforços entre os dois maiores partidos nacionais não tenha por ora sido mencionada abertamente por nenhum dos seus dirigentes após o líder social-democrata, Rui Rio, ter prometido na semana passada, ainda antes da declaração do Estado de Emergência, “colaboração com o Governo” no combate à Covid-19.

Outra questão é o regresso a qual passado: ao de 1983, após a implosão da Aliança Democrática, quando o PSD de Mota Pinto aceitou formar o Bloco Central com o PS de Mário Soares, vencedor minoritário das legislativas antecipadas, ou ao do mais contemporâneo 2015, quando António Costa viu na ausência de maioria absoluta da coligação de centro-direita Portugal à Frente a oportunidade para formar o Executivo minoritário com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, PCP e PEV, prontamente batizado de “geringonça”? Com uma diferença substancial, pois agora estaria em causa uma “geringonça ao centro”, o que lhe garantiria nem mais nem menos do que 187 dos 230 eleitos para a Assembleia da República.

Principal arauto da primeira opção, oficiosamente vista como potenciada ou, no mínimo, tolerada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados José Miguel Júdice voltou a repetir nesta quarta-feira, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, que “se há uma altura em que um governo de salvação nacional é necessário, é esta a altura”. Uma hipótese vista como desejável pelo antigo presidente da distrital lisboeta do PSD, que durante os anos 1980 esteve com Marcelo Rebelo de Sousa – de quem foi apoiante nas presidenciais de 2016 – na corrente social-democrata Nova Esperança, afastando-se progressivamente dos sociais-democratas até tornar-se mandatário da candidatura de António Costa à Câmara de Lisboa.

“Aqueles que apoiaram e votaram favoravelmente o Estado de Emergência deviam estar todos envolvidos, da esquerda à direita, nesse governo”, defendeu Júdice na SIC Notícias, apesar de reconhecer que não seria “viável obter a entrada do Bloco de Esquerda sem um conjunto de exigências que são irrealizáveis”.

Sem mencionar o CDS-PP, PAN e Chega – que também votaram a favor da autorização à proposta de Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto PCP, PEV, Iniciativa Liberal e a deputada Joacine Katar Moreira optaram pela abstenção –, José Miguel Júdice deixou claro que “a solução melhor é um Governo entre o PS e o PSD, e o Presidente da República deve ser a figura cimeira nessa solução”, instando-o “a correr riscos”.

Com o PSD mais concentrado em apresentar propostas para ajudar famílias e empresas a resistirem da melhor forma à perda de rendimentos causada pelas medidas do estado de emergência – na quinta-feira, o presidente do Conselho Estratégico Nacional, Joaquim Miranda Sarmento, elencou como urgente o pagamento, no prazo de duas semanas, de quatro a cinco mil milhões de euros que o Estado tem em dívida a fornecedores –, poucas reações houve a um novo repto para um entendimento com o PS. Uma das raras exceções foi Miguel Morgado, com o ex-deputado e ex-assessor de Passos Coelho, a escrever no Twitter que o governo de salvação nacional seria “um erro crasso” e que, “se houver juízo, nem tocaremos no assunto”. No início da semana, Morgado lembrou que AntónioCosta “disse que nunca mais precisaria do apoio da direita”, acrescentando que “há muitos meios de garantir estabilidade ao governo do PS”.

Pactos de regime ou algo mais
Uma visão coincidente com a de dirigentes sociais-democratas que não acreditam que o assaz insondável Rui Rio encare a possibilidade de formar uma coligação com o PS, repetindo o papel que Mota Pinto desempenhou há 37 anos. Já bastante diferente é a possibilidade de a predisposição do líder social-democrata para os “pactos de regime” evoluir para algo que pudesse funcionar como uma “geringonça de centro”, em que o Executivo de António Costa tenha de negociar legislação e grandes orientações com o segundo maior partido.

“No combate a esta calamidade, o PSD não é oposição; é colaboração”, garantiu Rio no debate de urgência da semana passada, bastante mais solene e isento de incidentes do que o debate quinzenal da passada terça-feira, no qual o líder social-democrata abandonou o hemiciclo depois de o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, questionar o número de deputados presentes na bancada do PSD, que seria duas vezes superior ao valor estipulado para diminuir o risco de contágio com o coronavírus.

Seja com “geringonça ao centro” ou governo de salvação nacional, o eventual entendimento entre PS e PSD garantiria uma maioria parlamentar suficiente para fazer uma revisão constitucional. Mas a opção pelo cenário defendido por José Miguel Júdice também passaria necessariamente, no entender do professor universitário NunoGaroupa (ver entrevista), “por ter um candidato presidencial comum, algo que Mário Soares tentou impor ao Bloco Central, mas Cavaco Silva roeu a corda”.

“Desejo-lhe coragem, nervos de aço e muita sorte, pois a sorte é a sua sorte”, disse Rio a António Costa no hemiciclo, na semana passada. Até que ponto tais palavras poderão ganhar um novo significado é algo que se verá ao longo dos próximos meses.

Notícia publicada na edição semanal do Jornal Económico de 27 de março

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