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Macron: Carta do Islão em França começa a ser contestada

O presidente francês quis associar os representantes dos muçulmanos a viver em França a um compromisso com o Estado. Mas, depois de assinado o documento, alguns dos signatários já se sentem desconfortáveis com ele.
  • Lionel Bonaventure / Reuters
21 Janeiro 2021, 18h10

Depois de ter isolado o islamismo fundamentalista como um dos alvos a perseguir no quadro da normalização dos profundos choques culturais que têm lugar em França ao longo das últimas décadas, o presidente francês, Emmanuel Macron, apresentou esta semana aquilo a que chamou a Carta do Islão em França. Foi uma tentativa de normalização das relações com os milhares de muçulmanos que vivem no país, com parte deles a contestarem o facto de o Islão estar a ser alvo de perseguição.

As reações externas à estratégia do presidente francês também foram quase todas negativas – com a Turquia (Macron e o presidente Erdogan mantém uma forte inimizade há anos) a liderar a contestação, que chegou ao ponto de vários países árabes terem decretado um boicote à importação de produtos franceses.

Para acalmar as reações, Macron tratou de mandar escrever a Carta, que foi alvo de negociações com diversas estruturas de representação dos muçulmanos residentes em França – e pôde, já esta semana, apresentar o documento, considerado uma grande vitória política caseira.

O problema é que, uma vez assinada a Carta, algumas das estruturas representativas que se associaram ao documento vêm agora afirmar que, afinal, não estão de acordo. Em comunicado enviado à imprensa francesa, três dessas organizações expressam o seu desacordo com certas passagens do texto e pedem uma ampla consulta antes de ele ser novamente confirmado.

Esta quarta-feira, o acordo das oito federações metropolitanas do Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) sobre a carta de princípios para o Islão em França, foi assim quebrado por três delas, que desejavam emendar o documento após um processo de ampla consulta, em particular com os imãs e conselhos regionais muçulmanos.

Duas das federações fazem parte do Islão turco e a outra, Faith and Practice, é próxima ao Tabligh, uma corrente pietista e conservadora oriunda da Índia. “Obviamente concordamos com a abordagem de não ingerência dos Estados, a não instrumentalização das religiões e com o respeito à Constituição e aos princípios da República”, escrevem as três federações dissidentes. “No entanto, acreditamos que certas passagens e formulações do texto provavelmente enfraquecerão os laços de confiança entre os muçulmanos de França e a nação. Além disso, certas declarações prejudicam a honra dos muçulmanos, com caráter acusatório e marginalizador”.

Esta quinta-feira, o presidente do CFCM, Mohammed Moussaoui, respondeu ao que descreve como “comunicado de imprensa acusatório e não construtivo”, tendo dito, também em comunicado, que “gostaria que essas declarações fossem especificadas por escrito na forma de uma emenda e transmitidas ao CFCM”. Moussaoui não gostou “desta nova saída unilateral de três federações que integram o CFCM, o que não é suscetível de tranquilizar os nossos correligionários sobre o estado dos órgãos representativos do culto muçulmano”.

O presidente do CFCM acrescenta que uma consulta às autoridades regionais e departamentais, imãs e oficiais das mesquitas está planeada e que está convencido que essas consultas podem levar a “possíveis melhorias” na carta – sem que para isso tivesse de acontecer este movimento dissidente.

Para os analistas, a dissidência resulta do facto de algumas das associações representativas dos muçulmanos não quererem assumir o que pode ser considerado pelos seus crentes como uma espécie de compromisso excessivo com a França – que a prazo pode resultar em medidas coercivas da liberdade religiosa.

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