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Novo Banco: Fundo de Resolução pode invocar “violação do contrato” se houver ligações de compradores de ativos a Lone Star

O Banco de Portugal garante que o Novo Banco “encontra-se impedido” de vender ativos a entidades relacionadas com a Lone Star. Mas, diz, caso viesse a ser detetado essas ligações, o Fundo de Resolução poderia invocar “violação do contrato”. E assegura que nas operações que lhe são submetidas pelo Novo Banco, Fundo atua com o princípio de “maximização do valor dos ativos”.
30 Julho 2020, 17h55

O Banco de Portugal (BdP) garante que o Novo Banco encontra-se impedido de vender ativos a entidades relacionadas com a Lone Star, fundo de investimento norte-americano que detém 75% da instituição e que nos últimos dias tem estado debaixo de fogo após notícias que dão conta de negócios polémicos de venda de imóveis, no âmbito do projeto ‘Viriato’ a fundos da Anchorage nas ilhas Caimão e de ligações dos seus investidores ao Lone Star. Fundo de Resolução (FdR), criado em 2012 com a missão de prestar apoio financeiro às medidas de resolução aplicadas pelo BdP, deixa ainda o alerta: “se porventura viesse a ser detetado, mesmo após a transação, que o adquirente de ativos abrangidos pelo mecanismo de capitalização contingente era uma parte relacionada com a Lone Star, então nesse caso o Fundo de Resolução poderia invocar que teria havido violação do contrato”.

Esta é a posição oficial do BdP ao Jornal Económico quando questionado sobre se o denominado projeto Viriato, nomeadamente quanto às implicações financeiras para o FdR da venda polémica de 5.552 imóveis e 8.719 frações do portfolio “Viriato”, realizada em 2018 abaixo do valor contabilístico, em que o Novo Banco foi o vendedor, mas também foi financiador de um fundo de investidores anónimos nas ilhas Caimão. Uma operação que, segundo noticiou o jornal Público, levanta dúvidas quanto ao beneficiário último destas vendas a fundos da Anchorage, suspeitando-se de ligações dos seus investidores ao Lone Star, fundo de investimento norte-americano que comprou o Novo Banco em 2018. As ligações entre as duas instituições existem, por exemplo, em David Bartlett, que passou de vice-presidente do Lone Star para diretor da Anchorage Capital, segundo o Público.

“Na realização destas vendas, o Novo Banco encontra-se impedido, nos termos do contrato, de proceder à venda de ativos a entidades relacionadas com a Lone Star”, avançou ao Jornal Económico fonte oficial do BdP, realçando que “quando os adquirentes dos ativos são fundos de investimento ou fundos de private equity, o que se procura apurar é se o fundo em causa é um adquirente credível, nomeadamente tendo em conta as suas credenciais e o seu historial”.

Segundo a mesma fonte, as situações em que os adquirentes são fundos de investimento ou fundos de private equity “são precisamente aquelas em que a venda normalmente resulta de processos organizados, abertos e competitivos, em que o adquirente é o concorrente que oferece as melhores condições”.

O BdP assegura aqui que “a existência de um processo competitivo cria melhores condições para que a venda seja realizada em condições arms’s length [transação de plena concorrência]”, sobretudo quando estão em causa investidores com presença ativa nos mercados internacionais”.

O BdP, que tem na sua esfera o FdR, assegura que esta conjugação de elementos (para além da análise que é feita quanto ao desenrolar dos processos de venda) “minimiza substancialmente a probabilidade de haver interesses do acionista privado do Novo Banco na aquisição dos ativos”.

Mas alerta: “em qualquer caso, se porventura viesse a ser detetado, mesmo após a transação, que o adquirente de ativos abrangidos pelo mecanismo de capitalização contingente era uma parte relacionada com a Lone Star, então nesse caso o Fundo de Resolução poderia invocar que teria havido violação do contrato”.

Venda de imóveis polémica

Em causa está a alienação de 5.552 imóveis e 8.719 frações do portfolio “Viriato”, realizada em 2018, em que o Novo Banco foi o vendedor, mas também foi financiador de um fundo de investidores anónimos nas ilhas Caimão. Segundo o jornal o Público, o banco alienou a carteira, com perdas, mas foi compensado por esses prejuízos por parte do FdR, criado em 2012, que compromete-se a injetar dinheiro sempre que as contas do Novo Banco fiquem ameaçadas. Os imóveis estavam avaliados nas contas do banco em 631 milhões de euros, mas foram vendidos por 364 milhões.

Os imóveis foram vendidos a sociedades lisboetas, detidas por uma sociedade luxemburguesa, que, por sua vez, pertence a um fundo de investidores anónimos nas ilhas Caimão, um paraíso fiscal. Este fundo comprou milhares de casas em Portugal e Espanha, a um preço baixo, mas não arriscou os mais de mil milhões de dólares dos seus investidores porque a compra que fez ao Novo Banco foi garantida por um empréstimo do próprio banco vendedor que ficou com a hipoteca dos imóveis.

O Novo Banco reagiu à notícia, garantindo que a venda da carteira de imóveis em 2018, denominada projeto Viriato não implicou custos para o FdR porque a maioria dos ativos não estavam cobertos pelo mecanismo de capitalização contingente (CCA). O banco liderado por António Ramalho garantiu ainda que “esta operação não foi feita a preços de saldo, mas sim a preços de mercado“.

António Ramalho saiu esta terça-feira em defesa do Novo Banco, instituição que preside, no Twitter, assegurando que o banco sabe quem é o “beneficiário último” dos imóveis que foram vendidos.

“Claro que sabemos o beneficiário último e que foi analisado detalhadamente pelo compliance do banco e feitos todos os relatórios“, escreveu António Ramalho no Twitter, em reação a questões colocadas por um utilizador, esclarecendo que “todas as sociedades são detidas pelo vencedor do concurso, a Anchorage”.

Maioria de ativos não integraram mecanismo de capitalização contingente, diz BdP

O JE questionou também o BdP se esta operação implicou custos para o FdR e qual a percentagem de activos que não estavam cobertos pelo mecanismo de capitalização contingente (CCA), tendo fonte oficial adiantado que “relativamente às operações de venda de carteiras de imóveis, a maioria dos ativos que as integraram não eram ativos abrangidos pelo mecanismo de capitalização contingente”.

Recorde-se que este mecanismo constituiu um elemento estruturante da venda do Novo Banco e mostrou‐se indispensável para a sua viabilização. O CCA tem por objetivo proteger os rácios de capital do Novo Banco de perdas que sejam registadas num conjunto determinado de ativos. Nos termos do mecanismo, o Fundo de Resolução efetua um pagamento ao Novo Banco se ocorrerem perdas na carteira de ativos abrangidos, mas apenas no montante necessário para que os rácios de capital se mantenham no nível acordado. Para isso é preciso que ocorram perdas nos ativos abrangidos pelo mecanismo e os rácios de capital do Novo Banco se tornem inferiores aos níveis acordados. Nesse caso, o Fundo de Resolução pode ser chamado a efetuar um pagamento ao Novo Banco pelo montante correspondente ao menor valor entre as perdas acumuladas nos ativos abrangidos e o montante necessário para repor os rácios de capital nos níveis acordados.

Fonte oficial do BdP destaca ainda que “as perdas registadas pelo Novo Banco na sequência dessas operações só são contabilizadas para o stock das perdas cobertas pelo mecanismo na parte que diz respeito aos ativos abrangidos pelo mecanismo”. E recorda que, no momento do apuramento do valor a pagar pelo Fundo de Resolução ao abrigo do CCA, é comparado o stock de perdas cobertas pelo mecanismo com a insuficiência de capital existente à data de referência. “O valor a pagar corresponde ao montante necessário para repor os rácios de capital, desde que esse montante seja inferior ao stock de perdas cobertas pelo mecanismo”, realça.

55% das operações propostas com recomendações e oposição

Em termos gerais, e conforme se indica no relatório e contas do Fundo de Resolução, o BdP recorda que até ao final de março de 2020 este Fundo apreciou e decidiu sobre um total de 194 operações propostas pelo Novo Banco, das quais 12% justificaram que o FdR se opusesse à ação proposta pelo Novo Banco e 43% motivaram a comunicação ao Novo Banco de recomendações ou de condições à sua execução. Em 43% das operações sobre as quais o Fundo de Resolução se pronunciou, a ação recomendada pelo Novo Banco mereceu a não oposição do Fundo, nos termos que lhe foram propostos.

BdP destaca metas “exigentes” para redução do malparado do Novo Banco

Fonte oficial do BdP salientou ao JE que “o princípio que orienta a ação do Fundo de Resolução na análise das operações que lhe são submetidas pelo Novo Banco é o princípio de maximização do valor dos ativos”. E destaca que o FdR “tem presente que o Novo Banco enfrenta requisitos exigentes em matéria de redução da sua exposição a NPLs [crédito malparado] e a imóveis, de modo a atingir os padrões e as metas definidas para o setor bancário a nível europeu”.

“Nesse sentido, quando se trata de uma operação de venda de ativos, que em muitos casos se enquadra na necessidade de dar resposta àquelas exigências, procura-se apurar se a venda é realizada em termos que permitam que o Novo Banco obtém a maior recuperação possível em cada momento, por exemplo conduzindo processos de venda abertos, competitivos e não discriminatórios, em que é selecionada a melhor oferta”, explica a mesma fonte.

O BdP conclui que “a realização de processos de venda abertos, competitivos e não discriminatórios, nos quais é selecionada a melhor oferta, permite dar cumprimento às exigências regulatórias em matéria de redução de exposição aos ativos em causa em termos que minimizam as perdas para o Novo Banco, dado que, com esse processo, os ativos são vendidos ao melhor preço possível em cada momento”.

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