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“Pode ser prematuro assumir que vamos ter, no curto ou médio prazo, uma taxa mínima de imposto”

Os Estados tendem a defender os interesses próprios e são relutantes em abdicar da soberania num tema que pode ser essencial para a sua competitividade.
30 Julho 2021, 09h05

A concretização de uma ideia de multilateralismo fiscal não será para agora, porque os Estados não abdicarão facilmente da sua soberania neste tema. Paulo Mendonça, partner de Tex Services da consultora EY, aponta que nas complexas negociações para que exista um acordo sobre uma taxa mínima de imposto sobre multinacionais os Estados têm defendido os seus próprios interesses e que, além disso, a criatividade fiscal será incentivada. “Na verdade, a maioria dos Estados já tem taxas nominais de imposto sobre as sociedades superiores a 15%”, lembra, indicando que a taxa efetiva acaba por ser significativamente inferior, por via de deduções especiais, exclusões, créditos fiscais e isenções parciais. Acresce que mesmo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) concorda que o atual paradigma de tributação, com base no nexo territorial, com o advento dos negócios digitais, está obsoleto.

 

Como analisa a criação de uma taxa mínima fiscal global e a ascensão de uma ideia de multilateralismo fiscal?
Pode ser prematuro assumir que vamos ter, no curto ou médio prazo, uma taxa mínima de imposto sobre as sociedades. No âmbito do chamado Pilar 2 [do projeto da OCDE para combate à erosão da base tributável e à transferência de lucros], o objetivo é que todos os países apliquem uma taxa mínima de 15% aos rendimentos auferidos por empresas multinacionais com um volume de negócios anual superior a 750 milhões de euros.
Importa referir que em alguns países estas alterações implicam um consenso no plano político que pode ser difícil de alcançar. Por exemplo, no que respeita aos Estados Unidos, pode ser necessária uma maioria no Senado, que neste momento não está, de todo, assegurada. Na União Europeia, existindo uma regra de unanimidade no que respeita a decisões sobre matérias fiscais, essa unanimidade pode ser difícil de alcançar. E temos países como a Irlanda, que estão contra esta taxa mínima de 15%, tendo decidido, para já, não subscrever o compromisso global.

Importa ter também algum cuidado com a ideia de multilateralismo fiscal, que vem sendo propagada como a solução para todos os males, numa área tão relevante para os Estados como é a da arrecadação fiscal. Não podemos esquecer que as alterações propostas pela OCDE no âmbito do Pilar 1 e do Pilar 2 vêm reconhecer que o atual paradigma de tributação com base no nexo territorial, com o advento dos negócios digitais, está obsoleto. O que levou à disseminação de taxas sobre os negócios digitais (França, Itália, Reino Unido, entre outros países, já avançaram com estas taxas).

A administração Biden percebeu que seria mais útil embarcar no processo, mas tentando ditar as suas regras. E, com isto, os Estados Unidos já conseguiram, por exemplo, que a União Europeia adiasse por uns meses a apresentação de uma taxa sobre os negócios digitais a aplicar por todos os Estados-membros. Ou seja, mais do que uma questão de multilateralismo fiscal, podemos estar perante uma fuga para a frente por parte dos Estados Unidos no sentido de conseguirem negociar o melhor acordo possível para as suas empresas.

Mas outros países também jogaram as suas cartas neste processo negocial e, para já, conseguiram excluir do seu âmbito as indústrias extrativas, o setor do transporte marítimo, os serviços financeiros regulados e os fundos de pensões.

 

Em que medida as iniciativas como o BEPS (projeto de combate à erosão da base tributável e à transferência de lucros) promoveram a transparência fiscal e a divulgação de informação?
Não existe qualquer dúvida que as 15 ações do programa BEPS promoveram de forma efetiva a transparência fiscal e a divulgação de informação. No que se refere à transparência fiscal, destacam-se as medidas que pretendem neutralizar os efeitos dos instrumentos híbridos (ação 2), as que apresentam recomendações para combater de modo mais eficaz as práticas tributárias prejudiciais, tendo em conta a transparência e a substância (ação 5) e as que estabelecem metodologias para recolher e analisar os dados sobre os fenómenos económicos de erosão da base tributária e da transferência de lucros e as ações para remediá-los (ação 11).

No que respeita à divulgação de informação, a medida mais importante será a que exige que os contribuintes revelem os seus esquemas se planeamento fiscal agressivo (ação 12).

Estas medidas têm vindo a ser progressivamente incorporadas no ordenamento jurídico nacional. A avaliação do sucesso das mesmas (traduzido em menos evasão fiscal) ainda está por ser feita.

 

É expectável uma alteração significativa das políticas fiscais dos diferentes países e uma menor concorrência fiscal entre Estados?
Não me parece que as medidas agora em discussão levem a uma menor concorrência fiscal entre os Estados. Na verdade, a maioria dos Estados já tem taxas nominais de imposto sobre as sociedades superiores a 15%. O problema é que essas taxas, por via de deduções especiais, exclusões, créditos fiscais e isenções parciais, acabam por se transformar em taxas efetivas bem mais reduzidas do que os 15%. Na melhor das hipóteses, os territórios com regimes fiscais mais favoráveis vão incorporar soluções mais criativas na sua legislação fiscal que lhes permitam tornear as restrições que se antecipam e, por essa via, continuar a atrair investidores. n

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