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O apaixonado debate sobre impostos e igualdade

Crescente desigualdade de rendimentos é fenómeno global e obriga a refletir sobre estratégia a seguir para a reduzir. Os especialistas dividem-se sobre papel dos impostos.
9 Janeiro 2018, 07h30

A desigualdade de rendimentos aumentou na maioria dos países nas últimas décadas, fomentando, na opinião de uns, ou apenas contribuindo, na perspetiva de outros, para o desequilíbrio na distribuição da riqueza. No World Inequality Report 2018 (WIR2018), Piketty e Saez, antecipam que “o futuro da desigualdade global de rendimentos provavelmente será moldado por forças de convergência (crescimento rápido em países emergentes) e forças de divergência (crescente desigualdade dentro dos países)”. E qual destas forças dominará? “Ninguém sabe”, dizem, para acrescentar que também ninguém sabe “se essas evoluções são sustentáveis”.

Com um sistema fiscal progressivo na generalidade das economias, estará na altura de voltar a refletir de que forma o aumento da taxa de imposto marginal superior poderia esbater estas desigualdades? Haverá poucos debates mais apaixonados do que este, resvalando irremediavelmente a discussão para a dimensão ideológica e/ou para o plano moral.

É neste sentido que, em declarações ao Jornal Económico, o economista Ricardo Paes Mamede adverte para a importância do enquadramento com que um aumento da taxa marginal de imposto é interpretado. “Se é encarado pelas elites como um ataque aos ricos e sem outro contexto, pode ser visto como prejudicial ao investimento. Se é interpretado como uma forma de assegurar uma maior coesão social e for acompanhado de maior eficiência do Estado não tem o mesmo impacto”, diz.

No entanto, Paes Mamede realça que “estatisticamente há evidências robustas que as reduções significativas [da taxa de imposto marginal superior] têm estado associados a aumentos de desigualdade”.

Mas porque a perspetiva condiciona invariavelmente a questão, o economista João Duque recorda ao Jornal Económico a moral de uma antiga história para acentuar que a tónica deverá ser outra: “Se quer igualar por baixo, então tribute os que mais rendimentos têm, porque assim vai seguramente diminuir as diferenças. Mas será isso sensato? Conta-se que um dia o Otelo se terá gabado ao primeiro-ministro sueco de ter acabado com os ricos em Portugal. Ele terá respondido: nós acabámos com os pobres”.

Para Duque, “se pensarmos o benefício financeiro que temos em aumentar ainda mais a taxa mais alta de imposto para o redistribuir por todos os outros, vamos verificar que não vale a pena. As desigualdades devem procurar-se elevando os rendimentos mais baixos através do emprego e da sua valorização”.

O exemplo americano da taxa de 94%

O impacto que o aumento do imposto superior adicional que é pago por cada unidade monetária de acréscimo do rendimento teria na produção económica é um argumento imperativo na análise, acorrentado ao fantasma de um hipotético encorajamento à diminuição do esforço do trabalho.

Durante a II Guerra Mundial, os Estados Unidos da América aumentaram a taxa de imposto para máximos de 94%, o que, segundo o WIR2018, “não parece ter prejudicado o crescimento”. Paes Mamede alerta que um aumento desta ordem “não pode ser julgado, hoje, à luz da experiência passada, porque o contexto era muito diferente, quer de interligação, quer de concorrência fiscal”, embora não desfaça a tese de que aumentar a taxa não acarreta perdas de eficiência.

O WIR2018 sustenta que, “ao longo dos últimos cinquenta anos, todos os países ricos cresceram mais ou menos nas mesmas taxas, apesar de grandes variações de política fiscal”. Entre a década de 1970 e meados de 2000, a taxa de imposto marginal superior caiu consideravelmente. No entanto, voltou a aumentar nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Japão nos últimos 10 anos. O Reino Unido aumentou, por exemplo, de 40% para 50% em 2010, enquanto em França atingiu, em 2014, os 75% – medida entretanto revertida.

E em Portugal? Que impacto teria para a economia? “Há um impacto financeiro que normalmente é pouco representativo porque poucos são afectados, mas é mais ao nível psicológico, o que é muito relevante quando se deveria querer atrair mão-de-obra qualificada para Portugal. Quem quer ir para um país que lhe nega a qualidade dos serviços públicos e lhe cobra o preço do que não usufrui?”, defende João Duque.

“Se continuarem a aumentar as taxas mais elevadas de imposto, os mais jovens e capazes vão-se embora ou não voltam. E focaremos os outros contentes por aumentar as taxas marginais de imposto. Mas recordo que 50%, 60%, 70% ou 80% de zero é zero! Aumentar a taxa não serve de nada se não há base para aplicar”, conclui.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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