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“O digital não deve levar à desumanização da Justiça”

O presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados defende que é necessário definir o enquadramento em que a utilização de sistemas de inteligência artificial deve ser aceite.
9 Setembro 2018, 13h00

Em entrevista ao Jornal Económico, António Jaime Martins defende que o recurso às novas tecnologias não deve pôr em causa os princípios deontológicos que devem nortear a advocacia. A desumanização da Justiça é uma ameaça aos direitos dos cidadãos e a Ordem dos Advogados deve regular as situações em que os sistemas de Inteligência Artificial podem ser utilizados pelos advogados.

 

Vem aí um admirável mundo novo. Vamos continuar a precisar de advogados?

O recurso à inteligência artificial só fará sentido na prestação massificada de serviços jurídicos em que a relação de confiança entre os advogados e os seus clientes é suscetível de preterida. Os grandes consumidores de serviços jurídicos como bancos e seguradoras estão a desenvolver plataformas informáticas que recorrem à inteligência artificial para realizar algumas atividades que são prestadas por advogados. A inteligência artificial está a ser utlizada na prestação de serviços jurídicos massificados por exemplo aqui na nossa vizinha Espanha e na Alemanha. Efetivamente, fala-se no desenvolvimento de plataformas informáticas que utilizam modelos pré-determinados para a análise contratual em massa ou a realização de due diligence com base em modelos com variáveis de análise pré-determinadas. Conquanto, a preterição da inteligência humana pela artificial está circunscrita a áreas de intervenção em que é necessária a análise por amostragem ou a análise massificada. A inteligência artificial em momento algum suplantará a relação de confiança que se estabelece entre os cidadãos e os seus advogados ou entre as empresas e os advogados que estas livremente escolham de acordo com valências conhecidas dos profissionais em causa. Não considero que o digital seja um admirável mundo novo, porque a desumanização dos serviços jurídicos e, há até quem já avente, a desumanização da justiça, em que a inteligência humana é substituída pela artificial, coloca problemas sérios na prestação de serviços jurídicos e de justiça.

 

Mas a digitalização vai mudar a forma como os advogados prestam serviços aos seus clientes… não concorda?

Pode mudar em áreas onde a prestação de serviços jurídicos possa ser massificada. Não tem relevância ou terá uma insignificante relevância na relação da pessoa singular com o seu advogado ou na relação das pequenas e médias empresas com o seu advogado, onde a relação de confiança é fundamental. Assim como na prestação de serviços jurídicos de contencioso onde a inteligência artificial não tem possibilidade de ser introduzida.

 

Há, além disso, problemas éticos que se levantam. Por exemplo, o que acontecerá se existirem serviços que passem a ser desempenhados por sistemas de inteligência artificial? O que pensa disso?

Os atos que de acordo com a lei dos atos próprios dos advogados estão acometidos a estes profissionais não devem poder ser praticados com recurso a inteligência artificial. Sendo certo que os modelos de análise utilizados pela inteligência artificial têm necessariamente que obrigar à intervenção de advogados na sua elaboração. De qualquer forma, mesmo nos casos referidos, o recurso a inteligência artificial não dispensa a montante e a jusante o recurso a advogados, quer na elaboração dos modelos de análise, quer na conformação dos resultados da análise resultante desses modelos. A intervenção dos advogados, mesmo nestes casos, será sempre necessária.

 

A Ordem dos Advogados tem de fazer um esforço para adaptar e enquadrar a profissão a estes desafios?

O recurso à inteligência artificial na prestação de serviços jurídicos deve ser objeto de regulamentação por parte da Ordem dos Advogados, que deverá definir as situações em que a mesma pode ser utilizada e garantir a intervenção de advogados na elaboração de modelos de análise e na avaliação dos resultados da aplicação dos modelos.

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