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Offshores: MP confirma que está a analisar relatório da IGF e pondera abertura de inquérito

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que investiga os casos de elevada complexidade económica, está a passar a pente fino o relatório de auditoria da IGF ao ‘apagão’ fiscal de 10 mil milhões de euros de transferências para offshores entre 2011 e 2014. Após a análise da conclusões da IGF e de outros elementos sobre o caso que chegaram à PGR decidirá sobre abertura de inquérito.
12 Julho 2017, 07h35

O Ministério Público já está a analisar as conclusões do relatório de auditoria da Inspecção Geral de Finanças (IGF) às transferências de 10 mil milhões de euros enviados para paraísos fiscais entre 2011 e 2014 que ficaram omissas no sistema central do fisco. Após análise do relatório da IGF e outros elementos que chegaram à Procuradoria Geral da República (PGR) e que foram remetidos ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que investiga os casos de elevada complexidade económica, será tomada a decisão de abrir um inquérito.

“Relativamente a essa matéria, confirma-se a receção do relatório da IGF, o qual se encontra em análise no DCIAP, juntamente com os elementos oportunamente enviados pela Procuradoria-Geral da República, com vista a ponderar da necessidade de instaurar, ou não, qualquer procedimento”, avançou ao Jornal Económico fonte oficial da PGR.

A IGF concluiu pela existência de um problema informático origem nas falhas de controlo do fisco e considerou “extremamente improvável” a  existência de mão humana deliberada como origem nas falhas de controlo do fisco nas operações transfronteiriças. Uma auditoria que levou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais  a admitir, num despacho, que não terá sido conclusiva dado que há “aspectos relevantes” que ficaram por esclarecer. Após a entrega das conclusões da IGF, Fernando Rocha Andrade ordenou que o fisco averiguasse a existência de uma “marcação de transferências específicas”.

Por esclarecer ficou também o facto, segundo o jornal Público, de só ter sido afectado pelo ‘apagão’ o programa informático usado pelo fisco nos últimos anos para registar as transferências para offshores. O sistema, que também serve para fazer o processamento de outras declarações, como a modelo 4 que utilizou a tecnologia powercenter e que é relativa a operações de venda e compra de valores mobiliários (ações e outros títulos). Também a declaração modelo 39 (sobre rendimentos e taxas liberatórias) não teve falhas.

O relatório de auditoria pedido à IGF sobre o dinheiro enviado para paraísos fiscais que escapou ao radar da Autoridade Tributária (AT), que contou com a peritagem o Instituto Superior Técnico (IST), entregue no Parlamento a 23 de junho, dá conta que “os elementos recolhidos apontam no sentido de as falhas terem sido provocadas por uma alteração de parametrização do software da AT em maio de 2013”. O documento acrescenta, porém, que terão sido “sucessivamente ignorados e foram apagados” os logs (registos) dos processamentos das declarações modelo 38, comunicadas pelos bancos anualmente, que documentariam ao longo dos anos o número de transferências que ficaram por analisar

A indisponibilidade dos logs relativos ao período de 2010 a 2013 torna impossível, segundo o IST, “um esclarecimento definitivo da razão para a alteração do software verificada a partir de 2013”, explica a IGF, considerando que “permanecem por esclarecer aspectos relevantes para descoberta para a descoberta da verdade e para salvaguardar a não repetição de um cenário de não deteção. De inconsistências no processamento de dados”.

O despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) sublinha que  ainda que não foi encontrada “explicação para a singularidade estatística de este erro afetar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”. Pelo que, estão por esclarecer aspetos relevantes para a descoberta da verdade e para salvaguardar a não repetição de um cenário de não deteção de inconsistências”.

Só BES e Montepio tiveram ‘apagão’ fiscal durante três anos

Na última edição de 7 de Junho, o Jornal Económico revelou que o “apagão” verificado nas transferências realizadas de 2011 a 2014 só ocorreu consecutivamente em três desses quatro anos no caso de duas instituições financeiras: do BES e do Montepio.

A conclusão consta do relatório da auditoria da IGF ainda que não identificando no relatório enviado ao Parlamento as entidades (devido ao sigilo fiscal)  que foram alvo de análise às declarações afectadas pela falha no processamento. No documento, onde essas referências foram riscadas a negro, a IGF  sinaliza: “somente em duas entidades [Montepio e BES] ocorreram problemas em três anos, com maior expressão no [BES], considerando o número inicial de linhas que foram integradas (153) face ao número total que deveria ter sido (4.416)”.

BES e Montepio Geral  representam mais de metade de transferências  afectadas pelo ‘apagão’: 12.564 operações escaparam ao radar do fisco, num total de 8.055 milhões de euros. Foram as únicas entidades com declarações identificadas com problemas em três anos.

Os bancos Montepio Geral e Espírito Santo são as duas entidades sinalizadas  como aquelas em que ocorreram em mais anos um o apagão fiscal das operações de transferências para paraísos fiscais entre 2011 e 2014. Em apenas duas entidades – Montepio e BES –  não foram registadas operações num conjunto de três anos, num total de 7.917 milhões de euros e 138 milhões de euros, respectivamente. Erro de leitura nas declarações submetidas por estes bancos à AT registou-se por mais que um ano, tendo afetado  12.564 operações, mais de metade do total de transferências que não chegaram ao sistema central da AT.

Montepio com 72% das operações fora do radar do fisco

No caso do Montepio, em três anos, foram realizadas a partir desta entidade 2.315 transferências para offshores  no valor de 192 milhões de euros, mas ficaram omissos do sistema  72% deste montante (138 milhões de euros, referentes a 1.730 operações que escaparam ao controlo do fisco).

Algumas das declarações do Montepio foram entregues com um atraso de três anos e as transferências realizadas em 2011 deram mesmo origem a três declarações de substituição.

2014: o ano do maior ‘apagão’ no BES

No ano da resolução do BES, foram contabilizadas  3.957 operações transfronteiriças que partiram deste banco, mas ficaram omissas no sistema informático 3.807 transferências (96%). Já em valores, acabaram por escapar ao controlo do fisco 2.016 milhões de euros, ou seja, 98% do total registado e que foi apenas de 38 milhões de euros referentes às diminutas 150 operações que foram lidas pelo sistema informático do fisco.

A declaração de 2012 – comunicada, no ano seguinte, à AT pelo BES – foi aquela com maior número de linhas em falta (4.263). As transferências realizadas naquele ano deram mesmo origem à entrega de duas declarações de substituição (uma em julho  de 2013 e outra em Junho de 2016).

Segue-se a declaração de 2014, ano da resolução do banco, com um apagão de 3.807 transferências que partiam do BES, num total omitido de 2.016 milhões de euros, face às diminutas 150 operações que foram lidas pelo fisco com um valor de apenas 38,2 milhões de euros.

Já na declaração do BES referente a 2013 e comunicada no ano seguinte não foram lidas, inicialmente 2.764 transferências num total de 2.960 milhões de euros que escapou ao controlo do fisco. Nesta última declaração, registou-se o maior número de operações realizadas a partir do BES em 2013, um ano antes da resolução:  5.459 transferências, num total de 3.234 milhões de euros, mas só chegaram ao sistema central da AT menos de metade (2.695) com um valor também bastante inferior de 274 milhões de euros.

No conjunto destas três declarações do BES (transferências de 2012, 2013 e 2014) escaparam ao radar do fisco 7.917 milhões de euros cerca de 80% do total omisso, tendo ficado de fora do sistema informático 10.834 operações.

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