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“Homem Morto Passou Aqui”: um livro que é muito mais do que imagens

As invasões francesas são feitas de memórias visíveis e invisíveis. Valter Vinagre dedicou cinco anos à arte da arqueologia e deixa um legado impresso: em livro e numa exposição. Para folhear a seu bel-prazer e ver no Arquivo Municipal de Lisboa.
  • © Valter Vinagre
30 Novembro 2021, 07h45

A chegada de Junot a Lisboa a 30 de novembro de 1807 foi o desfecho de um longo processo que se iniciara uns anos antes, aquando de uma exigência de Napoleão a Portugal: o país teria de encerrar os seus portos à Inglaterra. Assim o ordenava o imperador.

O Príncipe Regente, futuro D. João VI, ainda tentou, durante algum tempo, uma solução impossível, i.e., satisfazer Napoleão sem prejudicar os interesses portugueses, estreitamente ligados a Inglaterra.

Ao longo desse ano de 1807, o jogo duplo era cada vez mais difícil de pôr em prática. Em agosto, um exército franco-espanhol ganhou forma em Baiona. Objetivo? Invadir Portugal. Paralelamente, Napoleão emitia um ultimato final. Em meados de novembro, esse exército atravessou a fronteira e marchou ao longo da linha do Tejo, ambicionando chegar a Lisboa com a maior brevidade possível. O trajeto foi, contudo, moroso e tortuoso. As estradas eram más, o terreno difícil e acidentado e faltavam mantimentos.

A decisão de evacuar a corte para o Brasil foi rapidamente posta em prática e, quando Junot chegou à capital, encontrou um vazio de poder. Aliás, segundo uma fonte da época, os soldados do exército francês uma fonte da época, “mais excitavam a piedade do que o terror dos espectadores”.

Poderíamos prosseguir a narrativa e recordar a entrega de poder de Junot aos seus generais. Assim como as primeiras revoltas que começaram a estalar no ano seguinte, primeiro no norte e depois um pouco por todo o país, contra os invasores, com o apoio de tropas inglesas. Mas passamos a palavra a Valter Vinagre, ou melhor, sugerimos que se deixe envolver pela sua lente e retrato da memória coletiva – ou o que resta dela – diluída numa paisagem geográfica e humana transmutada.

 

Homem Morto Passou Aqui” é resultado de um trabalho de cerca de cinco anos de Valter Vinagre realizado em Portugal, como palco dos diversos confrontos ocorridos durante as Invasões Francesas. Utilizando a paisagem para fazer a reconstituição de um legado histórico perdido na memória coletiva, o autor retrata os vários eventos das Guerras Peninsulares, ocorridos de Norte a Sul do país. Almeida, Bussaco, Chaves, Porto, Amarante, Évora e Olhão, juntamente com as Linhas de Torres Vedras, foram alguns dos locais fotografados ao longo desse tempo e respeitando o calendário dos acontecimentos que fizeram a história das três Invasões.

O texto curatorial é de Sandra Vieira Jürgens e faz a ponte com a motivação de Valter Vinagre quando se lançou o repto de registar este “legado”, i.e., o desconhecimento generalizado face a um episódio decisivo da História de Portugal, que deu origem a uma profunda crise económica e demográfica, esta última em resultado da sangria de homens que se refletiu por mais de uma geração. É essa história esquecida que “Homem Morto Passou Aqui” quer resgatar.

Daí a edição em livro – numa coedição da Associação Número – Arte e Cultura e da Éditions Loco, de Paris –, já disponível, no decorrer da exposição homónima no Arquivo Municipal / Fotográfico, em Lisboa, que pode ser visitada de segunda a sexta até dia 28 de janeiro de 2022.

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